Cantoras – Seleção 78 RPM Do Toque Musical Vol. 135

Para alegria dos amigos cultos, ocultos e associados do TM, o Grand Record Brazil está de novo na área, agora em sua edição de número 135. Desta vez, apresentamos mais um punhado de registros históricos, exclusivamente com vozes femininas, sempre presentes em nosso GRB. São dezoito joias preciosas, de fazer qualquer colecionador vibrar, gravadas entre os anos 1910 e 1930.

Iniciamos nosso retrospecto com Abigail Maia (Porto Alegre, RS, 17/10/1887-Rio de Janeiro,  20/12/1981). Cantora e também atriz, fundou companhia teatral junto com Oduvaldo Vianna, além de se destacar, tempos depois, como radio-atriz na lendária Rádio JESZNacional do Rio de Janeiro. Abigail, cuja discografia como intérprete seria escassa, aqui comparece em três faixas. A primeira é “Chico, Mané, Nicolau”, batuque paulista de autor desconhecido, em gravação mecânica Odeon/Casa Edison de 1916, disco 121173. Já dá fase elétrica de registros fonográficos é a canção “Flor de maracujá”, de Marcelo Tupinambá e Amadeu Amaral. Foi gravada por Abigail na Victor em 24 de fevereiro de 1931, e o disco foi lançado com o número 33425-B, matriz 65112. Por fim, outro registro mecânico, o do “coco baiano” “O cumbuco e o balaio”, mais uma peça de autor ignorado,  em gravação Odeon/Casa Edison de 1916, disco 121172.
Maior nome feminino da música erudita brasileira, aplaudida e consagrada no Brasil e no exterior, tendo sido até mesmo enredo de escola de samba,  Bidu Sayão (Balduína de Oliveira Sayão, Itaguaí, RJ, 11/5/1902-Rockport, Maine, EUA, 13/3/1999), aqui comparece com uma modinha de Barrozo Neto e Nosor Sanches, a “Canção da felciidade”, originalmente lançada em 1928 por uma certa Maria Emma. A gravação de Bidu foi feita na Victor (selo Victrola) em 14 de setembro de 1933, e o disco recebeu o número 4229-B, matriz 65853.
Filha de um diplomata brasileiro e de uma cantora lírica, Gilda de Abreu (Paris, França, 23/9/1904-Rio de Janeiro, 4/6/1979) foi cineasta, atriz, escritora, radialista e cantora. Casou-se,  em 1933, com o também cantor Vicente Celestino, em duradoura união que perduraria até a morte deste, em 1968. Inclusive dirigiu, entre outros, os dois filmes estrelados pelo marido, “O ébrio” (1946) e “Coração materno” (1951). Aqui, Gilda interpreta “Bonequinha de seda”, valsa de sua autoria e Narbal Fontes,  incluída no filme de mesmo nome, da Cinédia, dirigido pelo já citado Oduvaldo Vianna, e do qual foi a atriz principal. Gravação Victor de 10 de novembro de 1936, lançada em dezembro do mesmo ano, disco 34112-A, matriz 80239.
A soprano luso-brasileira Cristina Maristany (Porto, Portugal, 11/8/1906-Rio Claro, SP, 27/9/1966) foi membro-intérprete da Academia Brasileira de Música e, um ano antes de seu falecimento (1965), recebeu a Medalha Carlos Gomes. Consagrada nacional e internacionalmente, assim como Bidu Sayão, Cristina interpreta aqui uma serenata de autoria do compositor mexicano Manuel Ponce, no original em espanhol, “Estrelita”. Gravação Columbia de 1935, em disco número 8144-A, matriz 1087.
Odete Amaral (Niterói, RJ, 28/4/1917-Rio de Janeiro, 11/10/1984), “a voz tropical do Brasil”, aqui interpreta este que é considerado seu primeiro grande sucesso, a marchinha “Colibri”, de Ary Barroso, do carnaval de 1937. Acompanhada pelos Diabos do Céu, de Pixinguinha,Odete gravou a música na Victor em 13 de novembro de 36, com lançamento ainda em dezembro, disco 34120-B, matriz 80255.
Sylvinha Mello (Vitória, ES, 23/2/1914-Paris, França, c. 1978) foi uma das primeiras cantoras brasileiras a fazer sucesso no exterior, particularmente nos EUA, atuando em rádios e casas noturnas . De sua escassa discografia brasileira como intérprete, aqui vai o fox “Canção das águas”, de Joubert de Carvalho,  gravação Victor de  26 de maio de 1936, lançada em julho do mesmo ano, disco 34070-B, matriz 80166.
Laura Suarez (Rio de Janeiro, 23/11/1909-idem, c. 1990) foi uma verdadeira  “garota de Ipanema”, uma vez que foi eleita Miss Ipanema em 1930, sendo considerada uma das mulheres mais bonitas de seu tempo. Além de cantora e compositora, foi também atriz  de teatro (no qual atuou por mais de cinquenta anos), televisão e cinema. Fez toda a sua carreira discográfica na extinta Brunswick, e dela  apresentamos aqui uma canção sua de parceria com Henrique Vogeler (co-autor do clássico “Ai Ioiô”), intitulada “Romance”. O disco saiu em 1931, ano em que a gravadora encerrou suas atividades no Brasil, provavelmente em março, sob número 10159-B, matriz 618.
Membro da alta sociedade carioca, Maria de Lourdes de Assis, aliás Madelou Assis (Rio de Janeiro, 1915-idem, 1956) começou sua carreira em 1932, aos 16 anos,  atuando em um cinema como apresentadora de um espetáculo do qual participaram alguns cantores de sucesso na época. Atuou nas rádios Mayrink Veiga (Rio) , Record, Kosmos e Cruzeiro do Sul (São Paulo),  tendo também feito temporada na Rádio Belgrano de Buenos Aires, e casou-se, em 1934, com o radialista e compositor Valdo Abreu. De sua escassa discografia (apenas cinco discos 78  com oito músicas), apresentamos duas gravações Victor, ambas do disco 33689, e de autoria do futuro esposo, Valdo Abreu, gravado em 31 de maio de 1933 e lançado em agosto do mesmo ano: o samba-canção “Ciúme”, matriz 65758, e, no verso,  a canção “Praia dos beijos”, matriz 65759.
Uma das principais divulgadoras de músicas folclóricas no decorrer dos anos 1930, Sônia Barreto  (pseudônimo de Sônia Luiz Mosciaro), carioca de Santa Tereza, foi também  poetisa  e radialista, atuando como radioatriz, produtora e apresentadora de programas da lendária Rádio Nacional. Soprano lírico-dramática, recebeu medalha de ouro do Instituto Nacional de Música. Ela aqui comparece com três faixas. Para começar, a valsa “História de uma flor”, de Joubert de Carvalho, gravação Victor de 31 de agosto de 1931, lançada em outubro do mesmo ano, disco 33474-B, matriz 65228. Depois, na faixa 14, temos o fox-canção “Descansa, coração!”, versão de Alberto Ribeiro para o standard americano “All of me”, de Gerald Marks e Seymour Simons. Saiu pela Columbia em dezembro de 1932,sob número de disco 22163-B, matriz 381359. Houve outra versão bastante conhecida, em ritmo de iê-iê-iê, assinada por Neusa de Souza e gravada em fins de 1964 pelos Golden Boys, o famoso “Ai de mim”. Por fim, a toada-canção “Beijo azul”, de José Francisco de Freitas, o Freitinhas, e Oswaldo Santiago. Gravada na Victor em 27 de agosto de 1931, é o lado A de “História de uma flor”, matriz 65223. Na faixa 13, uma rara oportunidade de se ouvir a voz da carioca Odaléa Sodré (1924-?), filha do compositor e instrumentista Heitor Catumby. E a faixa escalada é justamente de seu primeiro disco, o Columbia 8112-B, de 1936, gravado na plenitude de seus 12 anos de idade:  o samba “Romance da morena”, de Bucy Moreira e Kid Pepe, matriz 1112.
Elisa (de Carvalho) Coelho (Uruguaiana, RS, 1/3/1909-Volta Redonda, RJ, 2001) deixou gravados 15 discos 78 com 30 músicas, entre 1930 e 1934. Criadora dos clássicos “No rancho fundo” e “Caco velho”, era mãe do jornalista e apresentador de televisão Goulart de Andrade, aquele do bordão “Vem comigo”. Elisinha, como era carinhosamente chamada, aqui comparece com duas gravações Victor, ambas feitas em 11 de junho de 1930, porém lançadas em discos distintos. A primeira é o samba “Escrita errada”, de Joubert de Carvalho, matriz 50397, editada em fevereiro de 1931 sob número 33338-B. E a segunda é a toada “Ciume de caboca”, de Josué de Barros, o descobridor de Cármen Miranda, em parceria com Domingos Magarinos, matriz 50308, lançada em agosto de 1931 sob número 33444-B. para encerrar, temos Jesy (de Oliveira) Barbosa (Campos, RJ, 15/11/1902-Rio de Janeiro, 30/12/1987).Ela foi um talento múltiplo: cantora, compositora, jornalista, poetisa, contista, radialista… Jesy Barbosa marca aqui sua presença com “May”, tango de Renato Leão de Aquino, gravação Victor de primeiro de julho de 1931,lançada em setembro do mesmo ano, disco 33464-B, matriz 65180. E encerrando com brilho mais esta edição do GRB, dedicada a cantoras que, se depender de iniciativas como a nossa, jamais serão esquecidas!
Texto de SAMUEL MACHADO FILHO.

 

Cristina Maristany – Aracy Côrtes – Olga Praguer Coelho – Laura Suarez – Elisinha Coelho – Elsie Houston – Neide Martins – Helena Pinto De Carvalho – Seleção 78 RPM Do Toque Musical – Vol. 32 (2012)

 

Estamos de volta com o meu, o seu, o nosso Grand Record Brazil, em sua edição de número 32, apresentando mais uma seleção interpretada exclusivamente por cantoras. Nunca esquecendo de mencionar as pessoas da radialista Biancamaria Binazzi e do jornalista Ronaldo Evangelista, idealizadores do blog Goma Laca (www.goma-laca.com), de onde foi extraída a seleção musical completa de nossa edição número 29, e a quem eu e o Augusto agradecemos o toque e a lembrança, inclusive aproveitando fonogramas raros desse mesmo blog sempre que possível, unidos que estamos por um só ideal, que é a preservação de nossa memória musical.

Esta semana, começamos nossa seleção musical com a soprano Cristina Maristany (Porto, Portugal, 1906-Rio Claro, SP, 1966), na pia batismal Cristina Navarro de Andrade Costa, que veio parta o Brasil com poucos meses de idade. Ela gravou seus primeiros discos com o nome de Cristina Costa, e mudou o sobrenome artístico quando casou-se com o jornalista Breno Maristany. Não tiveram filhos, e mesmo depois de se desquitar, Cristina conservou o sobrenome Maristany na vida artística. Cristina aqui comparece com o disco Odeon X-3273, da série azul internacional da “marca do templo”, gravado em outubro de 1941. No lado A, matriz 6824, a clássica modinha “Quem sabe?” (“Tão longe, de mim, distante”…), de autoria do paulista (de Campinas)Antônio Carlos Gomes (1836-1896), aquele mesmo do “Guarani”, com versos do sergipano Bittencourt Sampaio (1834-1895), poeta e futuro governador do Espírito Santo. Foi inspirada em Ambrosina, o primeiro amor de Carlos Gomes, que morava na sua Campinas natal, e composta em 1859, mesmo ano em que o parceiro Bittencourt Sampaio se formou em Direito. Muito gravada, até mesmo por Agnaldo Timóteo. No verso, matriz 6825, a toada “Quando uma flor desabrocha”, de autoria de Francisco Mignone, que por sinal acompanha Cristina com seu quarteto de cordas nesse disco, música também muito conhecida.

Em seguida, tiramos do esquecimento Olga Praguer Coelho (Manaus, AM, 1909-Rio de Janeiro, 2008), cantora e pesquisadora de música folclórica aplaudida no Brasil e no mundo, inclusive nos Estados Unidos, onde residiu por vários anos, e lá moram dois filhos seus atualmente. Olga comparece inicialmente com uma gravação feita em Nova York nos anos 1940: a canção “Azulão”, de Jayme Ovalle e Manuel Bandeira, cuja primeira gravação entre nós é de 1944, na voz de Alice Ribeiro. Depois, tem o ponto de macumba “Estrela do céu”, motivo popular por ela adaptado, em gravação Victor de 30 de julho de 1936, porém só lançada em junho de 1938, disco 34325-B, matriz 80182. No lado A desse disco, matriz 80137, gravação de 22 de abril de 1936, a conhecida modinha “Mulata”, também chamada de “Mucama” ou “Mestiça”, com versos de Gonçalves Crespo e melodia de autor até hoje ignorado, peça também merecedora de inúmeras gravações desde 1902. Olga encerra sua participação neste volume com “Róseas flores”, outro motivo popular por ela adaptado, em gravação Victor de 29 de novembro de 1935, só lançada em abril de 36, disco 34042-A, matriz 80024.

Gaúcha de Uruguaiana, Elisa de Carvalho Coelho(1909-2001)criou-se porém na capital catarinense, Florianópolis. Foi casada com o deputado Lopo Coelho e mãe do jornalista e apresentador de TV Goulart de Andrade, o do bordão “Vem comigo”. Sua discografia, nos selos Victor, Odeon e Parlophon, abrange 15 discos 78 com 30 músicas, entre 1930 e 1932, incluindo hits como “No rancho fundo” e “Caco velho”, ambas de Ary Barroso e a primeira com letra de Lamartine Babo. Dessa discografia, o GRB apresenta a toada “Ciúme de caboca” (assim mesmo, em caipirês), de Josué de Barros, descobridor de Cármen Miranda, e Domingos Magarinos, em registro Victor de 11 de junho de 1930, só lançado, porém mais de um ano depois, em agosto de 1931, com o número 33444-B, matriz 50308 (o lado A é “No rancho fundo”, que fica pra uma próxima).

A paulistana Helena Pinto de Carvalho (1909-1937) foi funcionária pública, trabalhando na Secretaria das Municipalidades de São Paulo. Iniciou sua carreira artística no rádio, em 1929, e dois anos mais tarde participou do primeiro filme sonoro produzido no Brasil, “Coisas nossas”. Helena faleceu prematuramente, com apenas 28 anos, de ataque cardíaco, em sua casa, deixando seis 78 com doze músicas. Ei-la aqui no Columbia 22021, de 1931, interpretando de um lado, matriz 380984, o samba “Já cansei de chorar por você”, e , de outro, matriz 380991, uma deliciosa marchinha de Jayme Redondo, “Chi! Iaiá tá brava”.

De longa carreira no teatro de revista, a carioca Aracy Cortes (Zilda de Carvalho Espíndola, 1904-1985) não gravou tanto quanto poderia, talvez porque a maior parte de seus rendimentos viesse mesmo dos palcos. Já veterana, em 1965, participou do show “Rosa de ouro”, ao lado de Clementina de Jesus, Paulinho da Viola e Elton Medeiros, entre outros. Aracy está presente nesta edição com dois sucessos inesquecíveis lançados em selo Parlophon: o primeiro, lançado em novembro de 1928 em disco 12868, é o samba “Jura”, de Sinhô, lançado por ela na revista musicada “Microlândia”. Ironicamente, porém, ela a foi a segunda a gravá-lo, pois “Jura” teve dois registros na mesma sessão, fato inusitado: o primeiro por Mário Reis (matriz 2070, lançado com o selo Odeon, da qual a Parlophon era subsidiária), e em seguida o de Aracy (matriz 2071), ambos de sucesso e com acompanhamento da Orquestra Pan American de Simon Bountman, aqui como Simão Nacional Orquestra. Em seguida outro clássico, extraído do disco 12926-A, matriz 2366, lançado em março de 1929: “Iaiá”, ou “Meiga flor”, de Henrique Vogeler, Luiz Peixoto e Marques Porto, que ficou mais conhecido como “Ai, Ioiô”, considerado o primeiro samba-canção brasileiro, também cantado por Aracy na revista “Miss Brasil”. Tinha recebido duas letras anteriormente: a primeira por Freire Júnior (“Meiga Flor”), gravada por Francisco Alves, e a segunda por Cândido Costa (“Linda flor”), na voz de Vicente Celestino, mas a que pegou foi mesmo este “Ai, Ioiô”, com Aracy Cortes.

Logo depois, trazemos de volta a cantora-folclorista Elsie Houston (Rio de Janeiro, 1902-Nova York, EUA, 1943), agora interpretando um  motivo popular adaptado por Ary Kerner (também autor de “Na Serra da Mantiqueira” e “Trepa no coqueiro”, entre outras), o samba “Morena cor de canela”, extraído do disco Columbia 5217-A, lançado em junho de 1930, matriz 380649.

Na faixa seguinte, temos a carioca Laura Suárez (1909-c.1990), a primeira “garota de Ipanema” de que se tem notícia, afinal foi Miss Ipanema em 1929. Atuou também em teatro (ao qual dedicou mais de 50 anos de carreira) e cinema, tendo participado de filmes como ‘Tudo azul” e ‘Mulheres cheguei”. Só gravou na Brunswick, marca americana de curta duração entre nós, em 1930/31: 13 discos com 26 músicas, e aqui se apresenta com um samba de sua autoria, “Você… você”, lançado em setembro de 1930 pela Brunswick com o número 10092-B, matriz 422.

Encerrando, trazemos Neide Martins, cantora cuja biografia é uma incógnita. Ela deixou uma discografia escassa, e dela aqui está sua gravação de estreia, o frevo-canção “Que fim você levou?”, de Nélson Ferreira, para o carnaval pernambucano de 1937,  lançado em janeiro daquele ano pela Victor e gravado ainda em 10 de dezembro de 36, disco 34142-A, matriz 80293. Enfim, mais uma edição do GRB com cantoras que deixaram sua marca na história da MPB, e que não podem nem devem ser esquecidas.

TEXTO DE SAMUEL MACHADO FILHO