Januário E Luiz Gonzaga – Seleção 78 RPM Do Toque Musical (2013)

O Grand Record Brazil chega à sua sexagésima edição apresentando uma seleção musical com dois grandes nomes da cultura popular nordestina: Luiz Gonzaga e seu pai Januário.
Lavrador, sanfoneiro e consertador de sanfonas, Januário José dos Santos, autêntico rei dos oito baixos, nasceu em 25 de setembro de 1888, não se sabe se em Flores ou Pajeú das Flores, em Pernambuco. Adolescente, fugindo da seca, ele chegou, em 1905, à Fazenda Caiçara, nascente do Riacho da Brígida, a 12 quilômetros de Exu, na Serra do Araripe, bem na divisa Norte de Pernambuco com o Ceará, ao lado de seu irmão Pedro Anselmo. Era motivo de alegria e admiração para quem escutava a sua sanfona, sendo sempre respeitado por onde quer que passasse. Só falava o necessário e tinha grande entendimento intelectual, apesar de nunca ter sentado em um banco de escola. Além de exímio sanfoneiro, foi durante toda a vida um homem dedicado à família. Ao lado da primeira esposa, Dona Santana, soube muito bem educar seus nove filhos (Gonzagão foi o segundo) na tradição religiosa e no respeito humano.
O “Vovô do Baião” sempre amou seu querido Araripe. Prova disso é que, em 1960, com o falecimento de Dona Santana e já com os nove filhos radicados no Rio de Janeiro, ficou morando sozinho por lá de junho a novembro, quando contraiu segundas núpcias com Dona Maria Raimunda de Jesus. O novo casal adotou, em 1962, um bebê com três dias de nascido, e registrado como filho legítimo com o nome de João Batista Januário, ainda hoje residindo em Exu.
Grande exemplo de pai e bom vizinho, “seu” Januário partiu para a eternidade no dia 11 de junho de 1978, deixando imensa saudade em todos que o conheceram lá em Exu, apreciando suas performances sanfoneiras todo final de tarde. As tradições religiosas do município forma preservadas por muito tempo recebendo a colaboração do “Vovô do Baião”.
Já Luiz Gonzaga do Nascimento nasceu, a 13 de dezembro de 1912, lá mesmo na Fazneda Caiçara, onde ele e seus irmãos foram criados, e ainda menino se interessou pelos oito baixos do pai, a quem ajudava na animação de forrós e festas. Aos 17 anos, saiu de casa e se alistou como voluntário no Exército, em Fortaleza, Ceará, e em 1930 rumou com seu batalhão de caçdores, o 22, para a Paraíba, agitada com a revolta de Princesa. Com a vitória de Getúlio Vargas, a tropa se desloca para Belém do Pará, Teresina, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, a fim de pacificar os resistentes. Corneteiro, recebeu em BH o apelido de “Bico de Aço”. E soprando a corneta seguiu para São Paulo, em 1932, no movimento constitucionalista, e para Mato Grosso, a fim de proteger nossa fronteira da Guerra do Chaco, entre Paraguai e Bolívia. Já em tempos mais clamos, Gonzagão serviu em Juiz de Fora e Ouro Fino, em Minas Gerais, e deu baixa em 1939, após dez anos de Exército (uma nova lei impedia o reengajamento além desse tempo). Em vez de voltar a sua Exu, resolve ficar no Rio de Janeiro, onde desembarcara na companhia de uma sanfona branca comprada em São Paulo pouco antes. Nas ruas, nos bares e no Mangue, passando o pires, apresentava um repertório bem ao gosto dos marinheiros e suas acompanhantes: tangos, boleros, valsas, canções, foxes. Certa noite, um grupo de universitários cearenses pede para ele tocar alguma coisa lá do Nordeste. Aí, Gonzagão tira da memória xaxados, cocos, xotes, xamegos, e é aí que alimenta o ideal de um dia tocar tudo isso para todo o povo do Sul. Inscreve-se no programa de calouros do temível Ary Barroso tocando seu xamego “Vira e mexe”, sendo aplaudidíssimo pela plateia e obtendo nota máxima! Em 1941, é levado à RCA Victor para acompanhar Genésio Arruda na gravação de “A viagem do Genésio”, e tem a oportunidade de tocar seu “Vira e mexe” para o diretor artístico, sendo de pronto escalado para gravar dois discos como acordeonista-solo: “Véspera de São João”/”Numa serenata” e “Saudades de São João del Rey”/”Vira e mexe”. A oportunidade de gravar como cantor só aparece em 1945, com “Dança, Mariquinha”, mazurca sua e de Miguel Lima. Em pouco tempo tornou-se ídolo nacional, de ponta a ponta, também como compositor, tendo parceiros expressívos: Miguel Lima, Humberto Teixeira, Zé Dantas, e sucessos sem conta, seja como autor, seja apenas como intérprete: “Baião”, “Asa branca”, ‘Vozes da seca”, “Chofer de praça”, “Paraíba”, “Macapá”, “Lorota boa”, “Riacho do Navio”, “Boiadeiro”, “Cigarro de páia”, “Xanduzinha” e muitos, muitos mais. Com o aparecimento do rock e da bossa nova, Gonzagão ficou praticamente esquecido no Sul do País, sobretudo no eixo Rio-São Paulo, mas continuou a se apresentar pelo interior do Brasil, onde sempre teve grande público. Em 1968, o espertíssimo Carlos Imperial planta um boato de que o quarteto britânico The Beatles iria gravar “Asa branca”. Isso, claro, não aconteceu, mas chamou a atenção das novas gerações de então para sua obra, sendo então redescoberto e novamente experimentando o sucesso em discos e shows nos grandes centros urbanos, tendo inclusive se apresentado no exterior. O trono de Rei do Baião é e sempre será seu. Gonzagão morreu em 2 de agosto de 1989, no Recife, de osteoporose seguida de pneumonia (sofria também de câncer na próstata), deixando um legado imortal que até hoje influencia a MPB. Seu corpo foi sepultado, conforme seu desejo, ao lado de seus pais, em Exu.
Nesta edição do GRB, apresentamos uma seleção dedicada a Januário e Gonzagão, pai e filho, com oito fonogramas originais RCA Victor. Para começar, quatro gravações do mestre Januário, com participação expressiva dos filhos, inclusive, claro, Luiz Gonzaga: o xote dele mesmo “Januário vai tocar”, gravação de 3 de agosto de 1955, lançada em outubro do mesmo ano com o número 80-1498-A, matriz BE5VB-0823. No verso, matriz BE5VB-0824, o “Calango do Irineu”, também do próprio Januário, que apresentamos logo em seguida. Depois, as faixas do disco 80-1322, gravado em 18 de maio de 1954 e lançado em agosto: o baião “O balaio de Veremundo”, da parceria Luiz Gonzaga-Zé Dantas, espirituosa  alusão a um “coronel” da cidade pernambucana de Salgueiro, famosa por suas carnes de bode salgadas, e inventor da dança do balaio. Da mesma parceria é o lado B, matriz BE4VB-0456, outro baião: “Pronde tu vai. Luí?”, com solo vocal do próprio Gonzagão, “of course”. Completando este pequeno grande programa, quatro expressivas gravações de Gonzagão de seu início como cantor-solo. Na faixa seis, exatamente sua estreia nessa área, após 24 discos como solista de sanfona: a mazurca “Dança, Mariquinha”, gravada em 11 de abril de 1945 e lançada em maio seguinte, matriz S-078152. Luiz Gonzaga chegou a dizer ao então diretor artístico da RCA Victor, Vittorio Lattari, brincando, que a Odeon queria lançá-lo como cantor em disco. Mas Vittorio, claro, decidiu que ele ficaria na Victor, e perguntou: “Como é? Já tem repertório pra cantar?” Isso, claro, não faltava… Na faixa oito, o chamego “Penerô xerem”, chamego da parceria Luiz Gonzaga-Miguel Lima, gravação de 13 de junho de 1945, lançada em agosto do mesmo ano (80-0306-A, matriz S-078189). A 6 de setembro do mesmo ano, Gonzagão grava, de sua autoria mais Miguel Lima e J. Portela (o jota é de Jeová), outra mazurca de sucesso, “Cortando pano”, expressiva homenagem aos alfaiates, que a Victor lançara em novembro seguinte com o número 80-0344-B, matriz S-078283. Nessa época, quase todos os cantores brasileiros costumavam lançar músicas para o carnaval, pois, como então se dizia, eram “da fuzarca”. E mostrando o lado carnavalesco do Rei do Baião, foi escalada a faixa 7 desta nossa edição do GRB, a marcha-tarantela “Festa napolitana”, do compositor Sereno, para a folia de 1946, que a Victor lançou em janeiro desse ano, em gravação de 14 de novembro de 45, disco 80-0374-A, matriz S-078389. Enfim, uma pequena grande amostra que certamente irá agradar aos fãs de Luiz Gonzaga, de seu pai Januário e da boa música nordestina, deixando na boca aquele irresistível gostinho de quero-mais…
* Texto de SAMUEL MACHADO FILHO