Bahiano – Seleção 78 RPM Do Toque Musical Vol. 128 (2014)

O Grand Record Brazil chega à sua edição de número 128 trazendo um autêntico pioneiro da gravação de discos no Brasil: o Bahiano.

Batizado com o nome de Manuel Pedro dos Santos, nosso focalizado era mesmo baiano, nascido em 5 de dezembro de 1870 na cidade de Santo Amaro da Purificação, que, muito mais tarde, por coincidência, seria o berço natal dos irmãos Caetano Veloso e Maria Bethânia. Um dos mais populares intérpretes brasileiros do início do século XX, Bahiano integrou o primeiro grupo de cantores profissionais da Casa Edison, fundada em 1900 pelo tcheco Fred Figner, ao lado de Cadete, Mário Pinheiro e Eduardo das Neves.  Nesse tempo, em que a gravação de discos era pelo processo mecânico, o artista tinha que cantar na boca de uma enorme corneta: o microfone!  E o técnico de gravação empurrava o cantor para perto da tal corneta nas notas graves e o puxava para mais longe nas agudas. E ainda, na hora do coro, todos se amontoavam junto do microfone! Duro, não?
Bem, o fato é que a Casa Edison lançou seu primeiro suplemento de discos fonográficos, substituindo os cilindros, exatamente no dia 5 de agosto de 1902. E o primeiro deles foi justamente com o nosso Bahiano,  o lundu “Isto é bom”, de Xisto Bahia (que evidentemente abre este volume), pontapé inicial para inúmeros outros sucessos,  alguns deles aqui reunidos, que manteriam sua popularidade até 1924, quando, espontaneamente, aposentou-se do disco.  Como cançonetista, Bahiano atuou no teatrinho do Passeio Público e no Circo Spinelli, chegando a aparecer em  filmes de curta-metragem, como “O cometa” e “A seresta caipora”, ambos de 1910. Em sua discografia predominam as modinhas e lundus, que conhecia muito bem, mas hoje ele é principalmente lembrado pela gravação de “Pelo telefone”, de Donga e Mauro de Almeida, considerado o primeiro samba “cem por cento” levado a disco (também neste volume). Foi casado com Almerinda Pedro dos Santos, que faleceu em 1937. No mesmo ano, compôs, em homenagem a ela, a valsa “Dores íntimas”, jamais gravada. Bahiano não se adaptou ao processo elétrico de gravação, pois já era considerado um artista da chamada “velha guarda”, além do quê alguns de seus companheiros já haviam falecido (Mário Pinheiro, Eduardo das Neves) ou se aposentaram precocemente (caso de Cadete). Ainda assim, continuou funcionário da Casa Edison, uma compensação que Fred Figner lhe deu pelos serviços prestados nos primeiros tempos da companhia, pois era a “cara” da mesma. E lá continuaria trabalhando até falecer, em  15 de julho de 1944, aos 73 anos.

 

Nesta edição do GRB, temos 19 preciosíssimos fonogramas do pioneiro Bahiano, verdadeiros documentos da heroica era das 76 rotações por minuto (sim, 76, as 78 rpm viriam muito depois), todas evidentemente da Casa Edison, selos Zon-O-Phone e Odeon.  Abrindo-a, temos justamente “Isto é bom”, lundu de Xisto Bahia também conhecido como “Iaiá, vancê qué morrê?”, lançado em agosto de 1902 com o selo Zon-O-Phone, sob número 10001, justamente o disco pioneiro de nossa fonografia, depois relançado com o número X-1031. Note-se o improviso que Bahiano faz entre as estrofes, numa lembrança de Xisto Bahia, falecido oito anos antes.  A faixa seguinte é a embolada “A espingarda”,de autoria de Jararaca (José Luiz Rodrigues Calazans), lançada pela Casa Edison com o selo Odeon sob número 122102, em 1922. A marchinha “Ai, amor”, de Freire Júnior, é do carnaval de 1921, lançada pela Odeon/Casa Edison com o número 121974. Em seguida,a cançoneta “O angu do barão”, de Ernesto de Souza, data de 1903, e é do disco Zon-O-Phone  X-670, reeditado depois com o número X-1046. Nossa quinta faixa é a marchinha “A baratinha”, de autoria do português Mário São João Rabelo, sucesso do carnaval de 1917, época em que já se delineava uma produção musical exclusivamente para os festejos momescos.  Bahiano a lançou pela Odeon/Casa Edison sob número 121320. A cançoneta “A pombinha da Lulu”, de Costa Silva, é gravação de 1913, disco Odeon 120148, matriz XR-1692. A marchinha “Ai, Filomena”, adaptação de uma canção italiana feita por J. Carvalho de Bulhões, com letra ironizando o então presidente da República, marechal Hermes da Fonseca, o “seu Dudu”. foi sucesso no carnaval de 1916, em disco Odeon 120988. O cateretê “Eu só quero é beliscá”, de Eduardo Souto, data de 1922 (Odeon 122127).  De letra bastante apimentada, a cançoneta “O taco”, de autor desconhecido, data de 1913, e a Odeon/Casa Edison a lançou na voz do nosso Bahiano sob número 108531, matriz XR-1127. Como se vê,as plateias não eram assim tão puritanas como pensamos hoje… Outra cançoneta de autor desconhecido é “Os mosquitos”, gravação também de 1913, do Odeon 108716. Nessa época, o Rio de Janeiro,´então capital do Brasil, enfrentava séria epidemia de febre amarela, combatida com energia pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz. “Pra exposição”, de autor desconhecido, é de 1903, disco Zon-O-Phone X-697.  A modinha “Quem eu sou?”, igualmente de autor ignorado,saiu em fevereiro de 1914, e é do disco Odeon 120917. A faixa seguinte é um verdadeiro clássico da MPB: o tango-fado “Luar de Paquetá”, de Freire Júnior e Hermes Fontes, sem dúvida a mais belas das composições musicais que a famosa ilha do litoral do Rio de Janeiro inspirou.  Bahiano a imortalizou no Odeon 122064,em 1922, e neste registro original ele canta a letra completa, o que jamais aconteceria nas gravações posteriores de outros intérpretes. O lundu “Os colarinhos”, de autor desconhecido, data de 1913 (Odeon 108530, matriz XR-1126). Em seguida, um verdadeiro clássico: nada mais nada menos que “Pelo telefone”, de Donga e Mauro de Almeida, primeira composição denominada samba a obter sucesso. Samba que, evidentemente, mudaria muito com o passar do tempo. O Peru de que fala a letra é o próprio Mauro de Almeida, que, como cronista carnavalesco, assinava com o pseudônimo de Peru dos Pés Frios. Foi retumbante sucesso no carnaval de 1917, e Bahiano o imortalizou em disco no Odeon 121322. “Regente de orquestra”, de autor desconhecido,  disco Zon-O-Phone X-649, talvez seja de 1903. A serenata “São Paulo futuro (Os cavaleiros do luar)” é de 1916, disco Odeon 120991, composição de Marcelo Tupinambá (Fernando Álvares Lobo,Tietê, SP, 29/5/1889-São Paulo, 4/7/1953). A sátira política volta a bater ponto em “Ai, seu Mé”, marchinha do carnaval de 1922, de autoria de Freire Júnior (que se escondeu sob o pseudônimo de Canalha das Ruas) e Luiz Nunes Sampaio,o Careca. É um ataque ao então presidenciável Artur Bernardes,o”seu Mé” de que fala a música, e adversário de Nilo Peçanha. Freire Júnior chegou a ser preso e a marchinha foi proibida pela censura da época, acusada de subversão, mas ainda assim estourou nessa folia. Bahiano a gravou no Odeon 122115, e, apesar do sucesso, Artur Bernardes venceu a eleição presidencial , pondo mesmo o pé no Palácio das Águias,o do Catete, então sede do governo federal.  “O genro e a sogra” é um dueto de Bahiano com a Senhorita Consuelo, de quem nada se sabe, em gravação Zon-O-Phone provavelmente de 1904, disco X-763. Por fim, encerrando esta seleção histórica, temos o desafio “Cabala eleitoral”, que também o título de “Cabo eleitoral”, dueto de Bahiano com Cadete, gravação  de 1912, disco Odeon 120035. Todas essas gravações mecânicas, é bom que se frise, eram precedidas de um anúncio vocal, informando o título, o intérprete e sempre terminando com “Casa Edison, Rio de Janeiro”. Possivelmente  esse anúncio, em geral feito pelo chefe de estúdio Nozinho,  servia para facilitar a compreensão  dos analfabetos, por sinal método bem prático…  Enfim, é com muita alegria que oferecemos mais esta edição do GRB, dedicada ao pioneiro Bahiano, e que por certo irá figurar nos arquivos de muitos de nossos amigos cultos, ocultos e associados, por se tratar de documento musical e histórico imprescindível.
* Texto de Samuel Machado Filho