Inezita Barroso – Uma Homenagem Especial

Em pleno Dia Internacional da Mulher,  a 8 de março deste 2015, tivemos mais uma perda irreparável para nossa música popular, notadamente a caipira ou sertaneja de raiz. É claro que os amigos cultos, ocultos e associados do TM sabem muito bem de quem estamos falando: Inês Madalena Aranha de Lima, ou, como ficou para a posteridade, Inezita Barroso. E isso poucos dias após seu aniversário de 90 anos, vitimada por uma pneumonia.  Enfim, cada um tem um destino…  O curioso é que Inezita, considerada a mais autêntica intérprete do cancioneiro caipira brasileiro, veio ao mundo justamente em São Paulo, Capital, no dia 4 de março de 1925. De família tradicional, começou a cantar bem cedo, aos sete anos de idade. Aos nove anos, já admirava o escritor e poeta Mário de Andrade, um dos ícones do Modernismo, e seu vizinho na Rua Lopes Chaves, no bairro paulistano da Barra Funda, a quem esperava passar diariamente enquanto brincava de patins.  Aos onze anos, começou a estudar piano, e mais tarde cursou Biblioteconomia. A sua carreira artística se inicia nos anos 1940, na Rádio Clube do Recife, interpretando canções folclóricas recolhidas por seu ilustre vizinho na Barra Funda paulistana, Mário de Andrade, acompanhando-se ao violão. Após se casar, em 1950, retoma as atividades musicais, ingressando, a convite do compositor Evaldo Ruy, na PRA-9, Rádio Bandeirantes de São Paulo  (então “a mais popular emissora paulista”). Teve a honra de participar da transmissão inaugural da primeira emissora de televisão brasileira, a PRF-3, TV Tupi, e trabalhou como cantora exclusiva da PRG-9, Rádio Nacional (hoje Globo). Um ano depois, transfere-se para a Record, então “a maior”. Ainda em 1951, grava seu primeiro disco, na Sinter, interpretando  ”Funeral d’um rei nagô” (Hekel Tavares-Murilo Araújo) e “Curupira” (Waldemar Henrique).  Aqui, ela já demonstra empenho na pesquisa e na divulgação de temas folclóricos, uma de suas marcas registradas. Em 1953, assina contrato com a RCA Victor, onde estreou gravando “Isto é papel, João?” (Paulo Ruschell) e “Catira” (adaptação de  R. de Souza). Em seu terceiro disco nessa marca, obtém seu primeiro  grande sucesso com “Marvada pinga”, moda de viola de autoria do professor Ochelcis Laureano, um dos carros-chefes de suas apresentações pelo resto da vida. Curioso é que, no lado B, apareceu o samba-canção “Ronda”, de Paulo Vanzolini, que passou despercebido na ocasião e só teve êxito quando regravado por outros cantores, sendo hoje um clássico.  Outras expressivas gravações de Inezita na RCA Victor foram: “Os estatutos da gafieira” (samba-crônica de Billy Blanco),”Taieiras”, “Retiradas” e “Coco do Mané” (esta, de autoria de Luiz Vieira), entre outras.  No cinema, atuou em filmes como “Ângela” (1951), “Destino em apuros” (considerado o primeiro filme nacional produzido em cores, de 1953), “É proibido beijar”, “O craque” (ambos de 1954), “Mulher de verdade” (1955), pelo qual recebeu o prêmio Saci de melhor atriz, conferido pelo jornal ‘O Estado de S. Paulo”, e “Carnaval em lá maior” (também de 1955). Em 1954, estreou na televisão, com um programa semanal na TV Record.  Um ano mais tarde, 1955, Inezita muda de gravadora, indo para a Copacabana, onde lança seu primeiro LP, sem título, incluindo músicas como “Banzo”, “Viola quebrada” e “Mineiro tá me chamando”, além de uma regravação de “Funeral d’um rei nagô”. Permaneceu nessa gravadora por mais de vinte anos, e lá deixou memoráveis trabalhos em disco, alguns deles incluídos neste repost, e dos quais falaremos a seguir. Outros sucessos de Inezita são “Lampião de gás” (outro de seus carros-chefes, composto por Zica Bergami, então mulher de renome na alta-sociedade paulistana), “Estatuto de boate” (outro samba-crônica de Billy Blanco) e releituras de clássicos como “Fiz a cama na varanda”, “De papo pro á” , “Nhapopé” , “Negrinho do pastoreio” e “Boi bumbá”. Inezita fez sucesso também no exterior, uma vez que, de passagem pelo Brasil, celebridades como o ator francês Jean-Louis Barrault,  o maestro Roberto Inglês e o ator italiano Vittorio Gassman , levaram os discos de Inezita para a Europa, onde tiveram maciça divulgação pelo rádio. O currículo da cantora-folclorista inclui apresentações no Uruguai, na extinta União Soviética, Israel , Paraguai, Uruguai e EUA, além de troféus como Roquette Pinto  e o Prêmio Sharp de Música Brasileira.  Durante toda essa longa e gloriosa trajetória, Inezita, conhecida como “a rainha do folclore”,  conservou a qualidade de sua voz, aliás ela foi uma das cantoras veteranas que melhor conseguiu essa proeza.  No início da década de 1980, passou a apresentar, na TV Cultura de São Paulo, o famoso “Viola, minha viola” (“Eta programa que eu gosto!”),  importantíssimo instrumento de divulgação da cultura caipira e regional brasileira, a princípio comandado pelo radialista Moraes Sarmento. Inezita,  no começo, dividiu a apresentação com Sarmento, que mais tarde passou a se dedicar apenas ao rádio. Daí por diante, Inezita firmou-se como a única apresentadora do “Viola, minha viola”, e o programa tornou-se o musical mais lôngevo  da história da televisão brasileira.  Também apresentou, no SBT, o programa “Inezita”, dentro de uma faixa sertaneja que a emissora possuía aos domingos pela manhã, mas que não ficou muito tempo no ar. No rádio, apresentou ainda os programas “Mutirão”, na Rádio USP”, e “Estrela da manhã”, na Cultura AM. Continuou a se apresentar em shows por todo o Brasil, tendo a seu lado, em alguns deles,  nomes como a dupla Pena Branca e Xavantinho, a violeira Helena Meirelles e Oswaldinho do Acordeom. Autêntica “doutora” em folclore, Inezita passou a lecionar a matéria em faculdades e universidades, a partir de 1982. Sua vasta discografia abrange  cerca de25 discos em 78 rpm, e quase 30 álbuns, entre LPs e CDs, além de alguns compactos.

Em homenagem à agora imortal Inezita Barroso, o Toque Musical decidiu apresentar uma repostagem especial de seis de seus álbuns, a saber:
DANÇAS GAÚCHAS (Copacabana, 1955) – Segundo LP de Inezita, em 10 polegadas, e por ela própria  considerado o melhor trabalho de sua carreira. Nele, a “rainha do folclore” interpreta composições de Luiz Carlos Barbosa Lessa (1929-2002), importante ícone da cultura riograndense, e de seu parceiro de pesquisa, Paixão Cortes. Acompanhada pelo grupo folclórico de Barbosa Lessa, Inezita nos traz temas como “Rancheira da carreirinha”, “Balaio”, “Maçarico” e “Chimarrita balão”, que voltaria a gravar em 1961, desta vez com orquestra, em LP de 12 polegadas com o mesmo título. Bah, tchê!
LÁ VEM O BRASIL (Copacabana, 1956) – terceiro álbum de Inezita, ainda em 10 polegadas.  Uma pequena-grande  obra-prima da fonografia brasileira, na qual a intérprete, acompanhando-se ao violão, apresenta músicas como “O carreteiro”, de Barbosa Lessa, “Galope à beira-mar”, de Luiz Vieira”, “Cantilena”, motivo de negros do Recôncavo Baiano adaptado por Heitor Villa-Lobos e recriado por Sodré Viana, “Berceuse da onda”, poema de Cecília Meirelles musicado por Oscar Lorenzo Fernandez, e a faixa-título, “Lá vem o Brasil”, de Nélson Ferreira e Rafael Peixoto.
INEZITA APRESENTA (Copacabana, 1958) – Um de seus melhores discos, a começar pela capa,  um primoroso trabalho de arte gráfica. Acompanhada pela orquestra e coro da Rádio Record, com arranjos e regências de Hervê Cordovil, e do Regional de Miranda, e participação do grupo vocal Titulares do Ritmo, Inezita interpreta obras de cinco  compositoras:  Babi de Oliveira, Juracy Silveira, Zica Bergami (autora do clássico “Lampião de gás”), Leyde Olivé e Edvina de Andrade.  Batem ponto aqui temas como “Lamento”, “Batuque”, “Conversa de caçador” e “Caboclo do Rio”, esta última curiosamente regravada um ano mais tarde pelo americano Nat King Cole, em português,  durante temporada no Brasil.
CANTO DA SAUDADE (Copacabana, 1959) – Outro álbum com bonita capa e repertório bem cuidado. Inezita tem aqui, novamente, a presença de Hervê Cordovil nas orquestrações e nas regências, e a participação dos Titulares do Ritmo. Um disco repleto de joias como “De papo pro á”, “Meu limão, meu limoeiro” (que  voltaria a ser sucesso anos mais tarde com Wilson Simonal), “Luar do sertão”,  “Fiz a cama na varanda” e até mesmo “Na Baixa do Sapateiro”, clássico samba-jongo do mestre Ary Barroso.
CLÁSSICOS DA MÚSICA CAIPIRA (Sabiá/Copacabana, 1962) – Mais um grande trabalho da notável Inezita, no qual ela mostra por que foi uma das mais autênticas intérpretes do cancioneiro caipira do Brasil. Batem ponto temas como “Chico Mineiro”, “Tristeza do jeca”, “Boi de carro”, “Sertão do Laranjinha”, “Baldrana macia” e “Pingo d’água”. Ô trem bão
VAMOS FALAR DE BRASIL, NOVAMENTE… (Copacabana, 1966) – Como indica o título, este álbum vem a ser uma sequência do bem-sucedido “Vamos falar de Brasil” (1958). Aqui, Inezita tem as ilustres companhias do acordeonista Caçulinha, com seu regional, e Guerra Peixe, com sua orquestra e coro. O repertório tem  peças do quilate de “Cais do porto”, “Nação nagô” (ambas do mestre Capiba), “Maracatu elegante” (José Prates) , “Dança negra” (Hekel Tavares e Sodré Viana) e “Dança do guerreiro” (de Hekel com Luiz Peixoto).

Com a repostagem destes seis trabalhos de Inezita Barroso, o Toque Musical, por certo, presta uma digna e honrosa homenagem àquela que, incontestavelmente, foi a mais autêntica intérprete de nossa música regional.

*Texto de Samuel Machado Filho

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