Cinema Em 78 RPM – Seleção 78 RPM Do Toque Musical Vol. 137 (2015)

Estamos de volta com o Grand Record Brazil, agora em sua edição de número 137. E a seleção musical desta quinzena foi preparada por uma pessoa muito especial: eu próprio!  Tudo começou quando o Augusto me mandou  diversos áudios extraídos de clipes produzidos para o YouTube, pela Rádio Educativa Mensagem de Santos, aproveitando cenas de filmes diversos, todos em preto e branco. No entanto, apenas quatro músicas, devidamente conservadas aqui , fizeram realmente parte de filmes. Então sugeri que fosse feita uma edição com músicas que foram realmente apresentadas em películas de sucesso, a maior parte nacionais. Com o devido acolhimento da ideia, e com carta branca para sua elaboração,  consegui garimpar dezesseis fonogramas, alguns até raríssimos, extraídos das bolachas de cera velhas de guerra. Uma seleção que resultou inclusive de pesquisas em fontes diversas, particularmente o “Dicionário de filmes brasileiros – longa-metragem”, de Antônio Leão da Silva Neto (Editora Futuro Mundo, 2002). Isto posto,vamos às músicas.Para começar, temos o clássico “O ébrio”, canção de e com Vicente Celestino, “a voz orgulho do Brasil”, por ele gravada na Victor em 7 de agosto de 1936 e lançada em setembro do mesmo ano, disco 34091-A, matriz 80195. O filme viria dez anos depois, produzido pela Cinédia e dirigido pela esposa do cantor, Gilda de Abreu, com grande bilheteria (teria superado até mesmo “Tropa de elite2”, o recordista oficial de bilheteria do cinema brazuca).  Esta gravação é uma montagem que apresenta, primeiramente, o monólogo inicial, extraído da regravação que Celestino fez da música em 1957, e, em seguida, o registro original de 1936, junção esta feita para a coletânea “Sessenta anos de canção”, lançada após a morte do cantor, em 1968. Inezita Barroso, recentemente falecida, aqui comparece com “Maria do mar”, canção do maestro Guerra Peixe em parceria com o escritor José Mauro de Vasconcelos, autor de romances de sucesso como  “Vazante”, “Coração de vidro”, “Banana brava” e “O meu pé de laranja-lima”. Fez parte do filme “O canto do mar”, produção da Kino Filmes dirigida por Alberto Cavalcanti, e Inezita a gravou na RCA Victor em 4 de agosto de 1953,com lançamento em  outubro do mesmo ano, disco 80-1209-B, matriz BE3VB-0222. Temos, em seguida, a única composição de origem estrangeira inclusa nesta seleção. Trata-se de “Natal branco (White Christmas)”, fox de autoria de Irving Berlin, um dos maiores compositores dos EUA, e sucesso em todo o mundo. Seu intérprete mais constante foi o ator e cantor Bing Crosby, que a lançou em um show que fez para os pracinhas norte-americanos que serviam nas Filipinas, durante a Segunda Guerra Munidal. Bing também interpretou este clássico em dois filmes: “Duas semanas de prazer (Holiday inn)”, de 1942, e “Natal branco(White Christmas)”, de 1954. Com letra brasileira de Marino Pinto, foi levado a disco na RCA Victor por Nélson Gonçalves, ao lado do Trio de Ouro, então em sua terceira fase (Lourdinha Bittencourt, então esposa deNélson, Herivelto Martins e Raul Sampaio), no dia 25 de novembro de 1955, mas estranhamente só saiu em janeiro de 56, disco 80-1551-B, matriz BE5VB-0926. Houve uma versão anterior, assinada por Haroldo Barbosa, que Francisco Alves interpretava em programas de rádio, porém não gravada comercialmente. Na quarta faixa, o maior sucesso autoral do compositor pernambucano Nélson Ferreira:  o frevo-de-bloco “Evocação”, primeiro de uma série de sete com o mesmo título, homenageando grandes nomes do carnaval recifense do passado. A interpretação é do Bloco Batutas de São José,lançada pela recifense Mocambo em janeiro de 1957, no 78 rpm n.o 15142-B, matriz R-791, e no LP coletivo de 10 polegadas “Viva o frevo!”.  “Evocação” foi também sucesso no eixo Rio-São Paulo, em ritmo de marchinha, entrando na trilha sonora do filme “Uma certa Lucrécia”, de Fernando de Barros, estrelado por Dercy Gonçalves. Logo depois, outra gravação da Mocambo: é a balada-rock “Sereno”, lançada em 1958 no 78 rpm n.o 15233-A, matriz R-985, e incluída mais tarde no LP “Surpresa”. A música fez parte do filme “Minha sogra é da polícia”, uma comédia dirigida pelo mesmo autor da composição, Aloízio T. de Carvalho, e por sinal bastante cultuada pelos fãs de dois futuros astros da Jovem Guarda, Roberto & Erasmo Carlos, pois marcou a primeiríssima aparição de ambos no cinema.  “Sereno” também foi revivida, em 1976, na novela “Estúpido Cupido”, da TV Globo, cuja trilha sonora foi a de maior vendagem da história da gravadora Som Livre: mais de dois milhões e meio de cópias! Na sexta faixa, uma raridade absoluta: trata-se da toada “Céu sem luar”, do maestro Enrico Simonetti em parceria com o apresentador de rádio e televisão Randal Juliano. Quem a interpreta, com suporte orquestral do mestre Tom Jobim, é Dóris Monteiro, em gravação Continental de 6 de maio de 1955, lançada em outubro do mesmo ano, disco 17171-A, matriz C-3628. Dóris também a interpretou no filme “A carrocinha”, produção de Jaime Prades estrelada por Mazzaropi  sob a direção de Agostinho Martins Pereira, e na qual Dóris também contracenou com outro mestre, Adoniran Barbosa (seu pai, na trama).  Desse mesmo filme, agora com o próprio Mazzaropi, um dos mais queridos comediantes do cinema brazuca, até hoje lembrado com saudade, é nossa sétima faixa, o baião “Cai, sereno (Na rama da mandioquinha)”, baião de Elpídio “Conde” dos Santos (autor do clássico “Você vai gostar”).O eterno jeca registrou “Cai, sereno” na RCA Victor em 2 de agosto de 1955, e o lançamento se deu em outubro do mesmo ano, disco 80-1497-A, matriz BE5VB-0821. Temos também o lado B desse disco,matriz BE5VB-0822, também de Elpídio: a rancheira “Dona do salão”, interpretada por Mazza no filme “Fuzileiro do amor”, dirigido por Eurides Ramos, primeira das três películas que o comediante fez no Rio de Janeiro para a Cinedistri, de Oswaldo Massaini.  Ângela Maria, a querida Sapoti, nos apresenta o expressivo samba-canção “Vida de bailarina”, de Américo Seixas em parceria com o humorista Chocolate (Dorival Silva). Fez parte do filme “Rua sem sol”, da Brasil Vita Filmes, dirigido por Alex Viany, e a gravação em disco saiu pela Copacabana em  dezembro de 1953, sob n.o 5170-B,matriz M-642. Voltando bem mais longe no tempo, apresentamos “Estrela cadente”, valsa-canção de José Carlos Burle, que fez parte do filme “Sob a luz do meu bairro”, da Atlântida, dirigido por Moacyr Fenelon. Carlos Galhardo,seu intérprete na película, cujos negativos infelizmente se perderam em um incêndio, gravou a música na Victor em 12 de abril de 1946, com lançamento em julho do mesmo ano sob n.o 80-0421-B, matriz S-078474. O eterno Rei do Baião, Luiz Gonzaga, apresenta a animadíssima polca “Tô sobrando”, que fez em parceria com Hervê Cordovil, e gravou na RCA Victor em 26 de julho de 1951, com lançamento em outubro do mesmo ano, disco 80-0816-A,matriz S-092995. Gonzagão também a interpretou no filme “O comprador de fazendas”, da Cinematográfica  Maristela, estúdio paulistano que ficava no bairro do Jaçanã, baseado em conto de Monteiro Lobato e dirigido por Alberto Pieralisi, tendo no elenco Procópio Ferreira, Hélio Souto e Henriette Morineau, entre outros (o próprio Pieralisi dirigiu uma refilmagem inferior, em 1974).  O número musical de Luiz Gonzaga, por sinal, foi rodado após o término das filmagens, uma vez que ele sofrera grave acidente automobilístico e quebrara o braço. Outra raridade vem logo em seguida: o samba-exaltação “Parabéns, São Paulo”, de Rutinaldo Silva,em gravação lançada pela Continental em março de 1954 (ano em que a capital bandeirante comemorou seus quatrocentos anos de existência), disco 16912-B, matriz C-3287. Esse foi o número musical de encerramento do filme “O petróleo é nosso”, da Brasil Vita Filmes, dirigido por um especialista em chanchadas, Watson Macedo. O belo samba-canção “Onde estará meu amor?”, de autoria da compositora e instrumentista Lina Pesce (Magdalena Pesce Vitale), é outra absoluta raridade nesta seleção “cine-musical”. Interpretado por Agnaldo Rayol no filme “Chofer de praça”, o primeiro que Mazzaropi fez como produtor independente, sob a direção de Mílton Amaral, foi lançado em disco pela Copacabana em maio de 1958, no 78 rpm n.o  5891-A, matriz M-2181, entrando mais tarde no primeiro LP de Agnaldo, sem título (CLP-11061). Gravações  posteriores de Dolores Duran e Elizeth Cardoso, também pela Copacabana, reforçariam o êxito de “Onde estará meu amor?”.  Silvinha Chiozzo, irmã da acordeonista e também cantora e atriz Adelaide Chiozzo,  aqui comparece com duas músicas que interpretou no filme “Rico ri à toa”, primeiro trabalho do cineasta Roberto Farias, que mais tarde fez ”Assalto ao trem pagador” e a trilogia cinematográfica estrelada por Roberto Carlos (“Em ritmo de aventura”, “O diamante cor-de-rosa” e “A trezentos quilômetros por hora”), sendo depois diretor de especiais da TV Globo.  Saíram pela Copacabana em 1957, sob número 5795. Primeiro,o lado B, “Zé da Onça”, baião clássico de João do Valle, o acordeonista Abdias Filho (o famoso Abdias dos Oito Baixos) e Adrian Caldeira, matriz M-1990, que Silvinha canta em dueto com Zé Gonzaga, irmão de Luiz Gonzaga. Vem depois o lado A, matriz M-1965, “É samba”, que Silvinha canta solo, concebido por Vicente Paiva, Luiz Iglésias e Walter Pinto, os três ligados ao teatro de revista. Para terminar, um verdadeiro clássico interpretado pelo grande Cauby Peixoto: o samba-canção “Nono mandamento”, de Renê Bittencourt e Raul Sampaio, e que fez parte do filme “De pernas pro ar”, co-produção Herbert Richers-Cinedistri,  dirigida por Victor Lima. Cauby imortalizou este sucesso inesquecível na RCA Victor em 20 de dezembro de 1957,com lançamento em abril de 58 no 78 rpm n.o 80-1928-A, matriz 13-H2PB-0311. Um fecho realmente de ouro para a seleção desta quinzena do GRB, que por certo irá proporcionar grandes momentos de recordação e entretenimento a vocês  que tanto prestigiam o TM. Quero expressar inclusive meus mais sinceros agradecimentos aos colecionadores Gilberto Inácio Gonçalves e Miguel Ângelo de Azevedo (Nirez)  pela colaboração, enviando-me alguns dos preciosos fonogramas que compõem esta edição. E agora, luz, câmera, ação… e música!

*Texto e seleção musical de Samuel Machado Filho

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