Hebe Camargo – Seleção 78 RPM Do Toque Musical – Vol. 37 (2012)

No último sábado, 29 de setembro de 2012, fomos dolorosamente surpreendidos por mais uma perda em nosso meio artístico: a de Hebe Maria Camargo, de parada cardíaca enquanto dormia em sua casa no bairro do Morumbi, em São Paulo. Hebe vinha lutando contra um câncer no peritônio, uma membrana que cobre as paredes abdominais, diagnosticado em 2010. Chegou a curar-se, mas nos últimos tempos o câncer voltou a se manifestar, deixando-a debilitada. Chegou até a assinar um novo contrato com o SBT, onde trabalhou por 25 anos (havia deixado a Rede TV!, onde antes estava, por problemas de salário atrasado), mas o desfecho foi o esperado. E o resultado foi o que todos viram e/ou ouviram: uma comoção geral em todo o país. Afinal, Hebe era como a tia querida, como alguém da família, que transbordava alegria e descontração em seus programas, recebendo entrevistados de diversas atividades em seu sofá (sem esquecer, claro, do selinho), e, quando necessário, demonstrando sua indignação com a situação político-econômica do país. Das grandes emissoras de TV brasileiras, Hebe só não trabalhou na Globo, mas mesmo assim participou de programas da mesma como convidada e homenageada.
Porém, o que poucos sabem é que Hebe começou sua vida artística como cantora. Nascida na cida paulista de Taubaté, em 8 de março de 1929, teve origem pobre, e chegou a trabalhar como arrumadeira aos 12 anos de idade. Em 1943, com os pais e seus seis (!) irmãos, mudou-se para São Paulo. Lá, antes dos 15 anos, começou como cantora, interpretando músicas brejeiras, inclusive chorinhos, na PRG-2, Rádio Tupi, onde assinou seu primeiro contrato profissional. Em 1944. Inspirada nas americanas Andrews Sisters, formou com sua irmã Stela e as primas Helena e Maria o Quarteto Dó-Ré-Mi-Fá (o ré era a Hebe). Quando uma das primas casou, o grupo passou a se chamar As Três Américas. Por fim, com sua irmã, Hebe formou a dupla caipira Rosalina e Florisbela, alcançando sucesso no programa “Arraial da curva torta”, apresentado pelo Capitão Furtado na Rádio Difusora, coligada da Tupi. Mais tarde, por sugestão do diretor das Emissoras Associadas, Gilberto Martins, Hebe optou pela carreira-solo, ganhando o título de “moreninha do samba” (ela só tingiria os cabelos de loiro pela primeira vez em 1957). Gravou seu primeiro disco na Odeon, em 1950, interpretando os sambas “Oh! José” (Esmeraldino Sales e Ribeiro Filho) e “Quem foi que disse?” (Gabriel Aguiar e Valadares do Lago). Em 78 rpm, foram 32 discos com 64 fonogramas, nesse selo e também na RGE e na Polydor. Hebe também lançou seis compactos (quatro duplos e dois simples), e sete LPs, em sua primeira fase como cantora, o último deles em 1967, abandonando o disco em função de seu trabalho na TV. Mas, no final dos anos 1990, Hebe voltaria a gravar, lançando três CDs: “Pra você” (1998), “Como é grande o meu amor por vocês” (2001) e “Mulher” (2010), tendo também participado do CD/DVD “Elas cantam Roberto Carlos”.
Em sua trigésima-sétima edição, o Grand Record Brazil homenageia a querida e agora pranteada Hebe Camargo, apresentando treze gravações por ela realizadas, assim permitindo que se conheça mais a fundo seu trabalho como cantora, ainda hoje pouco conhecido e divulgado. Começamos nossa seleção com o samba “Você quer voltar”, para o carnaval de 1952, de Francisco Alves, Oswaldo Monello e José Roy, gravado na Odeon ainda em 51, no dia 10 de setembro, com lançamento um mês antes da folia, em janeiro, sob n.o 13223-A, matriz 9110. Na faixa seguinte, a marchinha “Sem tambor e sem corneta”, de Dênis Brean e Oswaldo Guilherme, para a folia de 1951, gravada em 18 de novembro de 1950 e lançada também um mês antes daquela folia, em janeiro, com o n.o 13091-A, matriz 8857. Em seguida saltamos para o carnaval de 1955, apresentando o samba “Madalena”, de Oswaldo França e Blecaute (o “general da banda”), gravado em 7 de outubro de 54 e lançado ainda em dezembro, com o n.o 13747-B, matriz 10328. Recuamos depois para a folia momesca de 1954, com outro samba, “Eu não sou Deus”, de José Roy e Fernando Lobo, gravação de 2 de dezembro de 53 lançada um mês antes do carnaval, janeiro é claro, com o n.o 13596-B, matriz 9990. Em seguida, a marchinha “Eu vou de touca”, de Dênis Brean em parceria com outro grande nome do rádio e da TV brasileiros, Blota Júnior, da folia de 1952, que corresponde ao lado B de “Você quer voltar”, matriz 9111. O samba “Cansada de sofrer”, de José Roy e Doca, é o lado A de “Madalena”, matriz 10327. Da Odeon passamos depois para a RGE, apresentando o rock “Serafim”, versão de Clímaco César para “Oh! Josephine”, de Heinz Gietz e Kurt Feltz, lançado em novembro de 1958 com o número 10130-A, matriz RGO-791, e também integrando o compacto duplo “Hebe canta e encanta”. Voltando à Odeon, a clássica marcha natalina “Boas festas (Papai Noel)”, de Assis Valente, originalmente lançada por Carlos Galhardo em 1933, e que Hebe canta aqui junto com Os 4 Amigos. O registro data de 3 de setembro de 1953, lançado em dezembro seguinte com o n.o 13548-A, matriz 9871. Em seguida o samba “Testemunha”, de J. Piedade e Alfredo Godinho, gravado em 28 de maio de 1952 e lançado em julho seguinte com o n.o 13289-B, matriz 9318. Temos depois uma releitura de Hebe para o clássico samba “Não me diga adeus”, de Paquito, Luiz Soberano e João Corrêa da Silva, originalmente lançado para o carnaval de 1948 na voz de Aracy de Almeida. A gravação de Hebe saiu originalmente pela Odeon em um LP coletivo de 10 polegadas, “Carnaval de sempre – Sambas e marchas”, em 1955. Em seguida, mais samba: “Tintim por tintim”, de Portinho e Wilson Falcão, gravação de 17 de julho de 1956 que a Odeon só lançou em abril de 57 com o n.o 14192-B, matriz 11253, incluída também no LP de dez polegadas “Festa de ritmos”. Outra faixa que só saiu em LP, a exemplo de “Não me diga adeus”, é a do samba “Mundo mau”, de Sidney Morais e Júlio Rosemberg, que encerra o álbum “Sou eu”, de 1960. E o encerramento, aqui, fica por conta da polca-dobrado “São Paulo quatrocentão”, de Garoto e Chiquinho, com letra de Avaré (não creditado no selo), que Hebe registrou cantada em 26 de novembro de 1953, com lançamento em janeiro de 54, disco 13594-B, matriz 9986. Enfim, uma seleção em que predominam a alegria e a descontração que Hebe, em todos esses anos de carreira no rádio, no disco e sobretudo na televisão, deu ao público brasileiro, como ninguém!

Texto de SAMUEL MACHADO FILHO.

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