Brazilian Octopus (1969)

Estou quase para chamar este mês de postagem de ‘momento surpresa’, ou, ‘pra gregos e troianos’. Tá uma salada mista, não é mesmo? Mas é bom é assim mesmo, quando menos se espera, aparece algo diferente… Desta vez, vamos com um lp bastante festejado, para não dizer redescoberto, principalmente para a turma de colecionadores exibicionistas, aqueles que compram discos (preferencialmente originais) celebrados pela crítica especializada. Mas eu até entendo e no caso aqui, chego a bater palmas, afinal, estamos falando agora do Brazilian Octopus, um conjunto formado por feras e que sem dúvida, merece toda a atenção. Creio que nem precisamos fazer as apresentações, pois está tudo aí. Disco badalado e também bem divulgado em outras sítios e blogs (se é que ainda resiste algum). Inclusive é um desses discos que mereceu uma reedição, afinal, quem não quer ter essa joinha em sua coleção?
Lançado em 1969, pelo selo Fermata, o Brazilian Octopus foi um conjunto de um disco só. Não por conta de na época ter vendido pouco, mas creio que mais por ser formado por diversos e talentosos músicos que não caberiam apenas num momento. A história é boa e vale replicar aqui, em texto escrito por Carlos Calado. Quem ainda não leu ou não sabe da história, veja aqui…
 
Imagine reunir numa mesma banda músicos de orientações tão diversas, como o bruxo dos mil instrumentos Hermeto Pascoal, o herói da guitarra pós-tropicalista Lanny Gordin, o bossanovista Cido Bianchi (ex-pianista do Jongo Trio e do Milton Banana Trio), o violonista Olmir Alemão Stocker (autor de O Caderninho, hit da geração jovem guarda) e o jazzista Nilson da Matta (contrabaixista que hoje vive nos EUA). Esse encontro inusitado aconteceu mesmo, mais exatamente em 1968. Marca um capítulo pouco conhecido da história da nossa música instrumental, intitulado Brazilian Octopus, e resultou num álbum homônimo que hoje é disputado por colecionadores. “Sem dúvida, o grupo mais estranho surgido na música brasileira”, comenta Marcelo Dolabela, em seu dicionário ABZ do Rock Brasileiro (ed. Estrela do Sul, 1987). “Naquela época, não pensávamos em grana, só queríamos tocar. Foi uma experiência maravilhosa”, recorda Cido Bianchi, hoje também maestro e arranjador. O Brazilian Octopus foi formado em São Paulo, no início de 1968, por iniciativa de Lívio Rangan, o todo-poderoso diretor de eventos da Rhodia – empresa da área têxtil que produzia arrojados shows-desfiles para promover seus produtos. “O Lívio gostava muito de mim. Chegou a dizer que ia me transformar em um novo Sérgio Mendes”, conta o músico paulista, encarregado por Rangan de coordenar o grupo. Por sinal, o Brazilian Octopus já nasceu com uma regalia incomum no mercado musical da época: um contrato de trabalho por um ano, que incluía três meses de ensaios pagos. Da primeira formação, além de Bianchi (piano e órgão), Lanny (guitarra) e Alemão (violão e guitarra), participavam também Douglas de Oliveira (bateria), João Carlos Pegoraro (vibrafone), Carlos Alberto Alcântara (sax tenor e flauta), Cazé (sax alto) e Matias (contrabaixo). Na época, esses mesmos músicos gravaram um disco com o saxofonista japonês Sadao Watanabe, que não chegou a ser lançado no Brasil. Rangan formou o Brazilian Octopus para executar ao vivo a trilha sonora do Momento 68, o mais ambicioso dos espetáculos institucionais da Rhodia produzidos até então no país. Com direção musical do maestro Rogério Duprat e direção cênica de Ademar Guerra, esse show-desfile tinha os atores Raul Cortês e Walmor Chagas encabeçando o elenco, ao lado dos cantores Gilberto Gil, Caetano Veloso, Eliana Pitman e do bailarino Lennie Dale. Os textos eram assinados por Millôr Fernandes. “Eu me fantasiei de leão várias vezes naqueles desfiles da Rhodia. O grupo todo se vestia de bicho e tocava dentro de uma jaula”, lembra Hermeto, que veio a substituir Cazé, alguns meses depois, junto com Nilson da Matta, que assumiu o contrabaixo. Apesar de suas trajetórias diversas, quase todos os integrantes do grupo já se conheciam da noite paulistana, especialmente da boate Stardust (dirigida pelo pai de Lanny), onde Hermeto, Bianchi e Alemão tocavam com freqüência. “Lembro bem de que estava ensaiando com o Brazilian Octopus, quando recebemos a notícia de que o Wes Montgomery havia falecido dois dias antes”, conta Alemão, referindo-se ao lendário guitarrista de jazz norte-americano, que morreu em 15 de junho de 1968. “Como sempre, aconteciam aquelas briguinhas”, conta o saxofonista Carlos Alberto (hoje integrante da big band que acompanha Wilson Simoninha), lembrando que a “incompatibilidade de idéias” era freqüente nos ensaios do grupo, especialmente na hora de decidir o repertório. Não foi diferente quando, após alguns meses de ensaio, o diretor de eventos da Rhodia propôs ao octeto a gravação de um disco. “A idéia do Lívio Rangan era que a gente incluísse no repertório algumas músicas mais comerciais, para tocar no rádio”, recorda Alemão, encarregado por ele de contactar compositores com os quais já havia trabalhado. “Consegui várias músicas inéditas, que o Cido Bianchi, interessado apenas em tocar jazz, recusou. Uma delas era País Tropical, do Jorge Ben”, alfineta o violonista. “Mesmo quando tínhamos que tocar músicas italianas e francesas do repertório da Rhodia, nós não brincávamos, tocávamos sempre bonito. Esse trabalho influenciou muita coisa que eu faço até hoje. É por isso que eu acho que a música é universal. Todo mundo tem influência de todo mundo”, diz Hermeto, que assumiu a tarefa de coordenar os arranjos coletivos, depois de alguns desentendimentos entre os músicos. Ele compôs também dois temas, que aparecem entre as 12 faixas do hoje raríssimo LP Brazilian Octopus (editado pela Fermata, em 1969): Rhodosando e Chayê, fusões de música pop com o ritmo cubano do chá-chá-chá. “Para compor essas músicas, inspirei-me nas modelos e nos rapazes que desfilavam para a Rhodia. Eu era músico da noite naquela época e já tocava de tudo”, lembra o compositor alagoano. Outros integrantes do grupo também contribuíram com composições próprias: Alemão (Canção Latina, parceria original com Vitor Martins, que já tinha conquistado o segundo lugar no Festival Internacional da Canção do México), Pegoraro (a jazzística Summerhill) e Lanny (a singela O Pássaro). A gravação desta última, por sinal, acabou provocando um bate-boca no estúdio entre Hermeto e os técnicos de som. “Como essa música tinha uma linha melódica repetitiva, ele escreveu um contracanto tocado por duas flautas, para variar um pouco. Só que, na hora da mixagem, o contracanto tinha sumido da gravação. O Hermeto ficou tão bravo que queria pegar o técnico”, diverte-se o saxofonista Carlos Alberto, lembrando também que o bruxo de Lagoa da Canoa não aparece na capa do disco porque não pôde comparecer à sessão de fotos. Um funcionário da agência de propaganda Standard, que gerenciava a conta da Rhodia, foi fotografado ao piano. Assim como um velhinho, um cachorro e uma criança, que não tinham nada a ver com a gravação mas aparecem na capa. A sessão de fotos foi realizada num terreno descampado, cuja aridez lembrava a superfície da Lua – referência à então badalada corrida espacial entre os Estados Unidos e a União Soviética. Produzido por Mário Albanese e Fausto Canova, o álbum do Brazilian Octopus inclui ainda arranjos das conhecidas Casa Forte (de Edu Lobo), Pavane (Gabriel Fauré), Canção de Fim de Tarde (dos bossa-novistas Walter Santos e Thereza Souza), Gosto de Ser Como Sou e Gamboa (ambas de Mário Albanese e Ciro Pereira), que exploravam uma característica sonoridade produzida pelas flautas com o vibrafone, o órgão e as guitarras. “Nunca recebemos um tostão por esse disco. Parece que ele foi lançado na Europa, onde fez até um certo sucesso”, diz Carlos Alberto, lembrando que os integrantes do Brazilian Octopus chegaram a procurar a diretoria da Fermata, para tirar satisfações sobre a vendagem do álbum. Em vez de cheques, receberam apenas elogios e um convite para gravar outro disco. Como imaginaram que não receberiam nada novamente, recusaram. Terminou ali o inusitado octeto. Três décadas depois , Hermeto Pascoal não se surpreende, nem mesmo se incomoda, ao saber que cópias domésticas do único álbum do Brazilian Octopus vêm circulando no formato CD, em São Paulo. “Se a gravadora não se interessa em fazer o CD, essas pessoas têm que copiar mesmo. É o único jeito que o público tem de ouvir a nossa música”, referenda um dos pais dessa raridade da MPB instrumental dos anos 60.
 
gamboa
rhodosando
canção latina
pavane
as borboletas
momento b8
summerhill
gosto de ser como sou
chayê
canção de fim de tarde
o pássaro
casa forte 
 
 
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