Os Meninos De Deus – Aperte… Não Sacuda (1974)

Olha, não vou querer entrar no mérito da questão religiosa que envolve este disco. Pessoalmente ele já me fez a cabeça em outros momentos da minha vida. Hoje eu o vejo e o apresento aqui mais como uma curiosidade musical. Os Meninos de Deus surgiram no Brasil no início dos anos 70 como um núcleo de uma seita muito polêmica criada na Califórnia por David Brandt Berg e Karen Zerby em meio ao ‘bum’ do ‘Flower Power’ nos anos 60. Aqui no Brasil, em meio a repressão política e outras…, o grupo (o núcleo) encontrou uma série de dificuldades, sendo em poucos anos quase amaldiçoados por suas atividades e condutas mal interpretadas. Diante a pressão e dissidências, em 1978 o grupo deixou de existir como “Meninos de Deus”. Tornaram-se “A Família”. Mas essa é uma outra história…

Os Meninos de Deus souberam usar a arte em seu favor, criaram um grupo teatral e musical que os ajudavam em sua pregação e a conquistar os jovens. Através da música, que eu saiba, eles lançaram dois discos e contaram com a colaboração e simpatia de outros artistas. Em “Aperte… Não Sacuda”, o primeiro álbum, eles contaram com Fernando Adour, compositor e produtor da época da Jovem Guarda, para cuidar do disco, lançado pelo selo Polyfar. As músicas deste disco foram enviadas pelas comunidades estrangeiras e vertidas para o português pelo próprio grupo. Algumas são até bem conhecidas.

senhor fazei de mim
a luz
aprendam que podem ser livres
voz de amor
no mires atrás
cê tem que ser um menino
aleluia
estou feliz
como esquecê-lo
é melhor tentar que falhar
o que é que fez jesus?
obrigado senhor
.
Resolvi, para variar, incluir um texto do jornalista Aramis Millarch que para mim, foi o cara mais antenado em música e cultura nos anos 70. Este texto foi publicado a 34 anos atrás no Jornal Estado do Paraná. Nele podemos ter uma idéia mais clara do que foi esse ‘movimento religioso’:
O canto dos Meninos de Deus
O conjunto é composto por Aminadab, violão e vocal; Jeroboam, piano elétrico e vocal; Isaias, guitarra e vocal; Obed, contra-baixo; Miguel, violino; Israel, [ritmo]; Alael, bateria; Daniel Gentileza, todos no vocal.
O interior de uma das famílias dos Meninos de Deus é um organismo vivo. Todos têm senso de comunitarismo e executam as tarefas recebidas, motivados por uma força comum que é a de acharem que estão, desta maneira, servindo e amando a Deus.
“Somos hoje mais de 5.000 jovens vivendo juntos em mais de 50 países diferentes, com mais de 250 comunidades, em grupos de 12, 30 ou 100 pessoas. Jovens que encontraram um objetivo na vida, depois de experimentarem diferentes drogas, religiões, viagens ou coisas parecidas, e que encontraram em Deus e em sua palavra e no amor de Jesus, no amor fraternal, puro e sadio, a resposta para os seus problemas e para os problemas de toda a humanidade.
Estes jovens dedicam toda a vida a levar este amor, paz, felicidade, e alegria a todos aqueles que buscam por esta nova vida. O nosso objetivo é de obedecer ao último mandamento de Jesus: “Ir a todos e pregar o evangelho (boas notícias) a toda a criatura”. Levar esta mensagem a todo o mundo, até o último da Terra. Conquistar o mundo por Jesus”. Esta é a mensagem do grupo aqui no Brasil.
Os Meninos de Deus estão satisfeitos por terem tido a chance de gravar este disco. “A música é uma das formas de oração mais poderosa, e quando as pessoas estiverem cantando nossas canções, estarão de uma maneira indireta, orando”, afirmam eles.
O movimento surgiu em 1968 nos Estados Unidos, fundado por Moises David (David Brandt), que havia sido criado numa família muito religiosa. Seu pai era um pastor protestante conhecido por suas pregações por toda a Califórnia, e sua mãe, sofrendo um acidente de carro grave, atribuiu seu pronto restabelecimento ao poder espiritual do marido, convertendo-se ardorosamente, ao protestantismo e tornando-se uma escritora de livros religiosos.
No entanto, para Mo (assim Moises David é chamado pelos Meninos de Deus), nada do que seus pais faziam era concretamente religioso, já que eram atividades comandadas pela Igreja. A partir desta visão, David resolveu iniciar um movimento religioso onde Deus fosse realmente o centro e o sentido de todas as decisões e trabalhos a serem realizados, o que trouxesse em seu bojo a contemporaneidade necessária para ser aceito pelas pessoas que não viam no institucionalismo eclesiástico a solução para seus males.
David Brandt, da mesma maneira que seu pai, andou pregando por toda a Califórnia, e tornou-se [rapidamente] conhecido: mas havia uma nítida diferença no que pregavam, muito embora ambos usassem a bíblia como fundamento. David diferenciava-se de seu pai no modo de interpretá-la, decorrendo daí uma nova filosofia cristã, menos rígida e mais motivadora.
Através dos grupos hipies que foram se chegando a ele, trocando as drogas por seus ensinamentos, começou a estrutura, dando forma e sentidos exatos, o que hoje viria a ser essa enorme organização internacional composta quase que inteiramente por jovens.
Em fins de 1973, os mass-medias americanos falavam incessantemente nas cento e vinte comunidades espalhadas por todos os Estados Unidos. Comentavam o jeito singular daquelas pessoas alienadas e felizes falarem sobre a vida que levavam, de deus, sobre a orientação [artística] diferente nas [músicas] e peças de teatro produzidas por essas comunidades.
Jeremy Spencer, um jovem americano, cantor e compositor de rock e membro de uma das famílias dos Meninos de Deus, é um dos maiores responsáveis pelo êxito do movimento. Associando à sua arte toda a problemática religiosa da família, conseguiu por intermédio de suas letras, que transmitiam as mensagens de Moises David, trazer jovens ajustados mais infelizes, traficantes de drogas, e outros que procuravam respostas para a parafernália progressiva de erros e procuras que lhes parecia o mundo.
Quando as [idéias] do movimento ficaram conhecidas por todos os Estados Unidos contestando aberta e concretamente a Igreja, ao por em prática soluções que consideravam mais convenientes com a realidade religiosa some-se a ele os outros movimentos de origens diferentes, mas com a mesma intensidade de contestação à Igreja) o impasse criado juntos aos jovens para evitar seu afastamento da Igreja.
Os Meninos de Deus depois de afirmados como um grupo religioso, passaram a ser também conhecidos como um grupo artístico, ao formarem sua própria companhia teatral e assinarem contratos com gravadoras musicais para divulgarem o seu trabalho. Os responsáveis pelas atividades juvenis das Igrejas iniciaram uma série de atividades no sentido de aproveitarem essas iniciativas, fazendo com que os jovens encontrassem dentro das igrejas interesses que fosse compatíveis com suas [idéias] Eles os incentivaram a comporem [músicas] para as missas e a organizarem peças de teatro e conferências com temas religiosos.
Há 11 meses o movimento chegou ao Brasil, depois de haver percorrido e se fixado na Europa, na Ásia e na África.
Thiago e Tabita, um casal baiano, foram os percussores do movimento no Brasil, junto com Amminadab e Marcena, que são americanos e partilhavam do mesmo objetivo de incorporarem a [América] do Sul aos lugares visitados por eles. Os dois casais se conheceram numa comunidade do grupo na Holanda, surgindo aí a motivação para virem ao Brasil, país bem localizado para a vinda de suas idéias e a sua disseminação na [América] Latina. Formaram um grupo e [iniciaram] sua viagem atravessando a [América] Central, o que fez com que mudassem seus planos e passagens primeiro por outros países latinos, antes de virem ao Brasil.
Chegando ao Rio, foram morar em Santa Tereza, por ser um lugar calmo, onde poderiam trabalhar [tranqüilos] e criarem suas crianças. As atividades do grupo aqui, logo de início, consistiram em traduzir e reimprimir as cartas religiosas de Moises David, distribuindo-as por toda a cidade, explicando direta e detalhadamente as propostas do grupo às pessoas que se interessem principalmente a juventude, não só do Rio, mas de todo o Brasil.
Para isso viajam constantemente pessoas do grupo para os lugares mais distantes do país, [já] estiveram no Amazonas, em quase todo o Nordeste e Sul, iniciando comunidades com pessoas que adotaram as suas idéias.
Em quase um ano de atividades do Brasil o grupo cresceu bastante. Conta atualmente com quase 60 pessoas, das quais grande parte está morando num sítio em Jacarepaguá, alugado depois que a casa de Santa Tereza ficou pequena para tanta gente.
O trabalho artístico da família no Rio, já alcançou boa projeção. Amminadab e Thiago os responsáveis pelo grupo, entraram em contato com pessoas influentes do meio artístico e conseguiram promover o conjunto musical Meninos de Deus, que apareceu no programa “Fantástico, O Show da Vida”, por duas vezes e assinou um contrato com a Polydor gravando um disco logo em seguida, “Aperte não Sacuda”, é o nome do lp que foi lançado no dia 15 de agosto.
Fonte:
Veiculo: Estado do Paraná / Caderno ou Suplemento: Nenhum / Coluna ou Seção: Jornal do Espetáculo / Página: 12 Data: 26/11/1974