Charles Da Flauta – Pinguinho De Gente (1988)

O TM oferece hoje a seus amigos cultos ocultos e associados o único disco gravado por um músico de rua, flautista de talento promissor, mas que infelizmente teve sua carreira interrompida pelas drogas. Trata-se de “Pinguinho de gente”, com Charles Gonçalves, conhecido como Charles da Flauta, lançado em 1988 com o patrocínio da Eletropaulo, sob o selo Ideia Livre, e que teve distribuição comercial pela Polygram, hoje Universal Music. Charles, então na plenitude de seus catorze anos de idade, encantava as pessoas  tocando sua flauta no centro de São Paulo, aos sábados, em companhia do pai (ele perdeu a mãe muito cedo) e mais dois irmãos, também menores.  O pouco que faturavam ao fim da tarde garantia o sustento da família por toda a semana.  A convite do jornalista (e também exímio bandolinista) Luís Nassif, o produtor musical Aluizio Falcão foi conferir a versatilidade e a espantosa precocidade de Charles, que chegou a ter aulas de flauta até mesmo com o mestre Altamiro Carrilho e o maestro Júlio Medaglia. Evidentemente, eles também se encantaram com Charles, e sua agilidade surpreendente na emissão das notas e improvisos, cadência, respiração, toque sutil e bem timbrado. E daí veio o convite de Aluizio Falcão para que Charles gravasse um disco-brinde. Entretanto, como sempre acontece nesses casos, foi difícil arranjar quem bancasse a produção do álbum. Ate que o jornalista Audálio Dantas, então superintendente de comunicação da Eletropaulo, obteve o apoio decisivo do então presidente da empresa, André Yppolito. Gravado em oito dias, o disco foi logo distribuído como brinde aos clientes da Eletropaulo. E a crítica especializada logo se encantou com o então menino Charles, saudado como um novo gênio da flauta, notícia até no “Fantástico” da TV Globo! Lançado comercialmente pouco depois, o disco estourou, como previsto, e o nosso Charles teve momentos de glória: apareceu em inúmeros programas de TV, além do “Fantástico”, tocou com músicos do porte de Arthur Moreira Lima e Paulo Moura e participou de um encontro de músicos de rua na Holanda, patrocinado pela Unesco, sendo considerado “hors concours” e agraciado com uma medalha.  Até ganhou uma bolsa para estudar na Europa. Entretanto, o uso compulsivo do crack e da maconha  destruiu uma carreira que parecia promissora.  Chegou até a ser preso por ferir alguém com uma facada, mas logo foi libertado. Portanto, é de se lamentar o destino de Charles Gonçalves, um músico de rua que tinha tudo para ser, como flautista, legítimo sucessor de nomes como Patápio Silva, Pixinguinha Benedito Lacerda e Altamiro Carrilho. Felizmente, o TM nos oferece a oportunidade de apreciá-lo neste que foi (pelo menos até agora) seu único álbum, mostrando todo o seu precoce e impressionante talento de flautista virtuose em páginas imortais e inesquecíveis como  “Bem-te-vi atrevido”, “Primeiro amor”, “Apanhei-te cavaquinho”, “Ronda” e “Urubu malandro”. Enfim, é ouvir este disco e lamentar que as drogas tenham interrompido os sonhos e a carreira de um músico de rua tão talentoso quanto ele!  Entretanto, a coisa teve um final feliz: após passar por tratamentos diversos, o nosso Charles se recuperou, casou-se, tem uma filhinha, nascida em 2015, e está de novo na ativa.  É músico free-lancer e vocês podem visitar seu perfil no Facebook: Charles da Flauta Gonçalves. Uma boa sorte e muita saúde a ele, é o que nós do TM lhe desejamos!

chorinho antigo

bem te vi atrevido

pinguinho de gente

espinha de bacalhau

doce de côco

ronda

sonoroso

apanhei-te cavaquinho

lamento

primeiro amor

urubu malamdro

valsinha

*Texto de Samuel Machado Filho.

Baden Powell – Rio Das Valsas (1988)

Indiscutivelmente, Baden Powell de Aquino (Varre-Sai, RJ, 6/8/1937-Rio de Janeiro, 26/9/2000) foi um dos maiores violonistas de todos os tempos, e um dos maiores músicos brasileiros de seu tempo. Também notável compositor, teve músicas em parceria com nomes do quilate de Billy Blanco (“Samba triste”), Paulo César Pinheiro (“Lapinha”, “Violão vadio”) e principalmente Vinícius de Moraes, com quem assina hits inesquecíveis, tais como “Samba em prelúdio”, “Berimbau”, “Deixa”, “Consolação” e “Canto de Ossanha”. Baden possui uma impressionante discografia com cerca de setenta títulos, incluindo LPs, CDs e compactos. Parte de seus discos foi gravada no exterior, em países como França, Alemanha e Japão. O Toque Musical, inclusive, já ofereceu a seus amigos cultos, ocultos e associados, alguns desses títulos. Agora, tem a honra e a satisfação de apresentar mais um álbum de Baden. Trata-se de “Rio das valsas”,  uma produção independente patrocinada pelo Banerj (Banco do Estado do Rio de Janeiro, mais tarde privatizado) e gravada em 1988. Aliás, este foi o primeiro trabalho que Baden Powell  gravou no Brasil depois de longa temporada na Europa. Mais precisamente no Estúdio Transamérica, de São Paulo, então um dos melhores do Brasil.

O presente trabalho de mestre Baden, com produção do grande Franco Paulino,  apresenta um selecionado e bem cuidado repertório de valsas, mostrando, segundo a contracapa, que a beleza do Rio de Janeiro não está apenas  no carnaval, nas praias ou nas paisagens naturais, mas também nas valsas criadas por compositores nascidos na “cidade maravilhosa”.  São dez faixas, nas quais Baden demonstra toda sua técnica e virtuosismo. E apresentando clássicos imperdíveis de Pixinguinha (“Rosa”), do próprio Baden (“Valsa sem nome”, “Velho amigo”, “Canção do amor ausente”, as três em parceria com Vinícius de Moraes), da dupla Sílvio Caldas-Orestes Barbosa (“Chão de estrelas”, daquelas que não tem quem não conhece), do flautista Patápio Silva (“Primeiro amor”, aliás seu maior sucesso autoral), Freire Júnior (“Revendo o passado”). Vinícius ainda assina as outras duas faixas restantes: “O que tinha de ser”, de sua parceria com outro mestre, Tom Jobim, e, sozinho “Valsa de Eurídice”, que o próprio Baden Powell gravou inúmeras vezes, inclusive no exterior.  A contracapa também apresenta pequenas biografias dos compositores cujas obras foram aqui incluídas, inclusive o próprio Baden, é claro. Enfim, um álbum cuidadíssimo, tanto em repertório quanto em qualidade técnica e apresentação gráfica. Com tantas qualidades, que mais se pode pedir? Agora é ouvir e desfrutar
rosa
serenata do adeus
valsa sem nome
primeiro amor
velho amigo
o que tinha de ser
chão de estrelas
canção do amor ausente
revendo o passado
valsa de eurídice
Texto de Samuel Machado Filho