Picolino da Portela – Sambistas Unidos (1975)

Hoje, o TM põe em foco um dos mais expressivos nomes do samba carioca: Claudemiro José Rodrigues, ou, como ficaria para a posteridade, Picolino da Portela. Compositor, cantor e ritmista, ele veio ao mundo no Rio de Janeiro mesmo, a 18 de maio de 1930. Funcionário aposentado do Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis, compôs sua primeira música ainda adolescente, aos 16 anos, para o Bloco Unidos da Tamarineira, de Oswaldo Cruz, e apresentou-se em vários clubes e rodas de samba da então capital da República. Mais tarde, ingressou na Portela, ao lado de Candeia e Waldir 59, passando a integrar a ala de compositores da escola, que presidiu por dois anos. Entre os sambas-enredo que Picolino compôs para a Portela, destaca-se “Legados de D. João VI”, com o qual a escola foi campeã no carnaval de 1957. Em 1963, ao lado de Candeia, Casquinha, Casemiro, Arlindo, Jorge do Violão e Davi do Pandeiro, forma o grupo Mensageiros do Samba, que gravaria seu único LP, “A vez do morro”, três anos depois. Mais tarde, forma o grupo ABC da Portela, ao lado de Colombo e Noca, que participa de vários espetáculos de samba e alguns festivais. O trio obteve sucesso no carnaval de 1968 com o samba “Portela querida”, na voz de Elza Soares. Outros intérpretes que gravaram músicas de Picolino da Portela foram Elizeth Cardoso, Martinho da Vila, Noite Ilustrada, Luiz Ayrão e Eliana Pittman, de quem por sinal é parceiro no samba “Lenços brancos”. Como intérprete, Picolino da Portela deixou escassa discografia: apenas dois LPs (sem contar “A vez do morro”), três compactos simples e um duplo. E dela, o TM traz hoje, para seus amigos cultos, ocultos e associados, exatamente o seu segundo e último álbum-solo: “Sambistas unidos”, lançado em 1975 pela Musidisc, com o selo América. A produção, caprichada, ficou por conta do fundador e proprietário da gravadora, Nilo Sérgio, sob a direção musical de Moacyr Silva, com trabalhos de gravação e mixagem de Max Pierre, supervisionados pelo engenheiro de som Jorge Coutinho.  Um verdadeiro time de “cobras” do disco, que legou-nos este belo trabalho, em que Picolino da Portela  interpreta composições dele, com parceiros (destacando-se “Tô chegando, já cheguei”, já conhecida do público na voz de Eliana Pittman), e ainda de outros autores (como “Maré tá cheia”, do então ainda iniciante Neguinho da Beija-Flor). Um disco  que, como frisa na contracapa o jornalista Luiz Carlos de Assis, mostra o samba simples, puro e autêntico, sendo portanto digno da postagem de hoje do Toque Musical. E agora… ó abre alas, que a Portela quer passar!

deixa a portela passar
tô chegando, já cheguei
maré tá cheia
os teus problemas são meus
prefiro esperar
só restou uma canção
tora de madeira
sebastião
silêncio que o natal morreu
uma saudade que ficou a mais
o teu passado impede o futuro
língua da candinha

*Texto de Samuel Machado Filho

Lauro Miranda E Seu Conjunto (1959)

O Toque Musical põe hoje em foco mais um músico brasileiro de renome, cujo centenário de nascimento comemoramos neste 2017: o pianista Lauro Miranda. Irmão do também músico Geraldo Miranda, ele veio ao mundo no dia 16 de junho de 1917, na cidade de Vitória, capital do Espírito Santo, com o nome completo de Lauro Osório Miranda. Autodidata, começou a aprender piano aos dez anos de idade. Sua carreira artística tem início aos 18 anos, como pianista profissional da orquestra do Automóvel Clube de Campos, litoral do estado do Rio de Janeiro. Em 1934, venceu o concurso de músicas carnavalescas de Campos com a música “Tá bom, deixa”. Em 1937, acompanhou as irmãs Cármen e Aurora Miranda em show no Teatro Trianon, ocasião em que também foi chefe da Orquestra do Cassino de Campos, onde conheceu o bandolinista uruguaio Miranda. Chegou a estudar na Faculdade de Agronomia, ainda em Campos, mas aos 21 anos largou tudo para dedicar-se apenas à música. É nessa ocasião que se transfere para o Rio de Janeiro, onde, em 1939, acompanhou o trio Gentile-Damian-Miranda em uma temporada no Cassino Atlântico, em Copacabana. Trabalhou ainda no restaurante Lido, também em Copacabana, na Rádio Tupi com o Trio Lalo Marenales e na orquestra do maestro Otaviano Romero Monteiro, o Fon-Fon. Em 1941, fez temporada de seis meses em Buenos Aires, como pianista da Orquestra Amazônia, inaugurando o programa “A hora do Brasil”, na Rádio El Mundo. No ano seguinte, atuou nas orquestras de Napoleão Tavares (Rádio Ipanema) e Guilherme Pereira. Em 1943, participa das orquestras dos maestros Pompeu Nepomuceno e Claude Austin, assumindo a chefia desta última até 1946. Em 1947, nova turnê internacional, agora com a orquestra de Fon-Fon, e percorrendo várias cidades da Europa: Paris, Milão, Barcelona, Madri, Roma, Nápoles e Knock, esta na Bélgica, passando ainda por Bagdá e Beirute, no Oriente Médio. E é em Beirute que fixa residência, entre 1947 e 1956, atuando como pianista da Orquestra Copacabana, que trabalhava na boate Le Grillon. De volta ao Brasil, atuou como pianista na boate Sacha’s, do Rio de Janeiro, e, mais tarde, ingressa no conjunto Sete de Ouros, do maestro Cipó, onde permanece até 1962, ano em que assume a direção artística do Hotel Nacional de Brasília. Nesse mesmo ano, faz nova turnê pela Europa, a convite do cantor Ernâni Filho, com ele percorrendo países como Portugal, França, Itália, Suíça, Alemanha e Inglaterra. De volta ao Brasil, ambos fazem temporada de três meses na boate Oasis, de São Paulo. Entre 1966 e 1974, foi pianista da extinta TV Tupi do Rio de Janeiro. Trabalhou ainda nos restaurantes Vice-Rei  (de 1985 a 1994) e Palhota (1995), transferindo-se depois para o Piano Bar St. Moritz, da Casa da Suíça, onde permanece até 2000, encerrando sua carreira. Como compositor, Lauro Miranda tem mais de 150 músicas gravadas, e foi um dos sócios-fundadores da Sbacem. Acompanhou ao piano, em toda a sua trajetória artística, vários nomes de prestígio na MPB, como Francisco Alves, Orlando Silva, Helena de Lima, Carlos Galhardo, Lana Bittencourt, Agnaldo Rayol, Lucienne Franco, Ellen de Lima, Carlos José, Aracy de Almeida… Com este respeitável currículo, Lauro Miranda bem merece a postagem de hoje do TM, oferecendo a seus amigos cultos, ocultos e associados o único LP que gravou com seu próprio conjunto, lançado em 1959 pela Drink Discos, gravadora que pertencia a outro músico de renome, o organista Djalma Ferreira, então dono da boate carioca de mesmo nome. E com direito até a uma capa dupla, verdadeira ousadia gráfica para a época, como de praxe nos lançamentos da Drink, e a um entusiasmado texto de contracapa de Carlos Machado, o então “rei da noite carioca”, descrevendo minuciosamente a trajetória de Lauro Miranda até então. No repertório, mesclam-se sucessos nacionais e internacionais da ocasião (“Poinciana”, “Fracassos de amor”, “Manhattan”, “O apito no samba”, “Foi o teu olhar”, “All the things you are”, “The ruby and the pearl”) e trabalhos autorais do próprio Lauro (“Cipolândia”, em parceria com o maestro Cipó, “Saudade”, “Recanto de rua” e “Será?’), dentro do padrão que caracterizava os álbuns dançantes da época. Enfim, uma homenagem a altura do TM aos cem anos de nascimento de Lauro Miranda! Em tempo: será que ele ainda vive? Em todo caso, se alguém souber do Lauro, favor enviar email para toquelinkmusical@gmail.com. Eu e o Augusto, desde já, agradecemos…

my funny valetine – where or when – more than you know
manhattan – all the things you are – saturday night
foi o teu olhar – sax cantabile
o apito no saba
cipolandia
the ruby and the pearl – poiciana
saudade – recanto da rua
será – fracassos de amor

*Texto de Samuel Machado Filho

Os Populares (1969)

A alegria do reencontro. É o que o TM proporciona hoje a seus amigos cultos, ocultos e associados, ao fazer o “repost” de um dos álbuns do conjunto Os Populares.  O grupo vocal-instrumental foi formado em 1967, ainda no auge da Jovem Guarda, tendo como líder e guitarrista-solo o excelente Júlio César, dissidente de outro conjunto famoso na época, The Pop’s. A ele juntaram-se Paulo Sérgio (guitarra rítmica), vindo do conjunto Os Aranhas, João Carlos (baixo elétrico), ex-Os Bárbaros, Pedrinho (bateria), vindo dos Youngsters, e Carlinhos (teclados). Em princípio, o grupo tinha um estilo basicamente instrumental, com solos de guitarra e órgão, bem na linha “conjunto de beira de piscina e bailes”. A estreia em disco deu-se através de um compacto com músicas de Natal, hoje muito raro. Os Populares apresentaram-se em diversos programas de rádio e TV divulgando seus trabalhos, entre eles o “Rio Jovem Guarda”, “Festa do Bolinha” (ambos da TV Rio), “Tevefone” (Globo), “AP show”, de Aérton Perlingeiro (Tupi) e “Euclides Duarte” (TV Continental). Com apuradíssima qualidade técnica, os álbuns dos Populares obtiveram excelente vendagem. Os quatro primeiros LPs do grupo saíram pela RCA, hoje Sony Music, compostos não apenas de releituras de hits da ocasião, como também apresentando  músicas de autoria do próprio guitarrista-líder, Júlio César, por sinal um dos melhores do Brasil. Em 1971, eles passaram a gravar na Polydor/Philips, hoje Universal Music, só que com execuções em que predominavam os vocais. O grupo se desfez em 1978. Pois hoje o TM traz de volta o quarto álbum dos Populares, e o último que fizeram para a RCA, lançado em 1969. E num clima bem de festa mesmo, a partir da primeira faixa, “Aniversário de casamento”, de Ivanovici (erroneamente creditada a Lourival Faissal, que na verdade fez a versão em português que Carlos Galhardo gravou em 1950). Outro destaque fica por conta da “Canção da criança”, um dos derradeiros sucessos de Francisco Alves, lançado pouco depois de sua morte em desastre rodoviário, em 1952. A estas, juntam-se músicas de cunho tradicional (“Lenda do beijo”, “Ai, mouraria”), hits da ocasião (“Não há dinheiro que pague”, de Roberto Carlos, “Obladi oblada”, dos Beatles,” Ferry ‘cross the Mersey”, de Gerry and The Pacemakers, “Toi toi toi”), e um medley com as belas marchas-rancho “Estrela do mar” e “Pastorinhas”, além de dois trabalhos autorais  do próprio Júlio César, “Mara” e “Balançando”.  Tudo naquele ritmo jovem e vibrante que caracterizava essa época, com o Júlio César dando aquele “banho” característico nos solos de guitarra. Enfim, é com muita alegria que trazemos de volta o quarto LP dos Populares, e com uma resenha bem mais coerente com seu conteúdo, pois da primeira vez repetiu-se a do primeiro álbum, o da “pipoca”, de 1967. Agora está tudo certo, felizmente…

aniversário de casamento
toi toi
canção da criança
não há dinheiro que pague
estrela do mar
obla di obla dá
atravessando o rio mersey
lenda do beijo
ai mouraria
mara
balançando

*Texto de Samuel Machado Filho

Sylvia Telles – Bossa Balanço Balada (1963)

Sylvia Telles (para os íntimos, Sylvinha) foi, sem sombra de duvida, uma das melhores intérpretes da  chamada “moderna música brasileira” das décadas de 1950/60. Ela veio ao mundo na cidade do Rio de Janeiro, então capital da República, em 27 de agosto de 1934, filha de Paulo Telles, carioca amante da música clássica, e Maria Amélia D’Atri, francesa radicada no Brasil. Era irmã do também cantor e compositor Mário Telles, nascido oito anos antes dela. Sylvinha estudou no Colégio Sagrado Coração de Maria e sonhava em se tornar bailarina. Porém, ao fazer um curso de teatro, descobriu que tinha talento, de fato, para cantar. Dom esse que foi notado, em 1954, pelo compositor Billy Blanco, amigo da família, que apresentou a jovem Sylvinha a amigos músicos. Nas reuniões que eles faziam, ela teve a grata satisfação de conhecer os grandes nomes do rádio na época, entre os quais estava o grande violonista Garoto (Aníbal Augusto Sardinha), que a ajudou a encontrar trabalho em boates para o início de sua carreira profissional. Na ocasião, Sylvinha conhece seu primeiro namorado, nada mais menos que João Gilberto, amigo de seu irmão Mário Telles. Tal relacionamento, porém, acabou porque os Telles não gostavam do futuro papa da bossa nova, então vivendo de favor na casa dos outros.  Em 1955, a convite do humorista Colé Santana (tio do “trapalhão” Dedé), Sylvia Telles participa do musical “Gente bem e champanhota”, apresentado no Teatro Follies de Copacabana, interpretando o samba-canção “Amendoim torradinho”, de Henrique Beltrão, acompanhada ao violão por José Cândido de Mello Matos, o Candinho. A música seria o lado A de seu disco de estreia, um 78 rpm lançado pela Odeon em  agosto de 55, tendo no verso outro samba-canção, “Desejo”, de Garoto (falecido três meses antes), José Vasconcelos e Luiz Cláudio. “Amendoim torradinho” foi enorme sucesso, e deu à nossa Sylvinha o prêmio de cantora-revelação de 1955, outorgado pelo jornal ‘O Globo”.  Em 1956, Sylvinha e Candinho se casam, passando a apresentar juntos, na TV Rio, o programa “Música e romance”, no qual recebiam ilustres convidados, tais como Dolores Duran, Tom Jobim, Johnny Alf e Billy Blanco. Desse matrimônio, de curta duração, resultou a filha Cláudia, mais tarde também cantora, nascida em 1957, ano em que Sylvinha lança seu primeiro LP, o dez polegadas “Carícia”. Integrou-se à bossa nova, prestes a irromper, frequentando as reuniões de músicos que aconteciam no apartamento de Nara Leão (na época com apenas 15 anos de idade), em Copacabana. É nessa ocasião que Sylvinha participa de um espetáculo no Grupo Universitário Hebraico, juntamente com Carlos Lyra, Roberto Menescal e outros. Foi nesse show, “Carlos Lyra, Sylvia Telles e os seus bossa nova”, que foi divulgada pela primeira vez a expressão que deu nome ao movimento considerado divisor de águas da MPB. O currículo de Sylvinha incluiu também apresentações em países como EUA, França, Suíça e Alemanha. Entre as músicas que ela imortalizou em sua voz, destacam-se “Foi a noite’, “Por causa de você”, “Luar e batucada”. “Suas mãos”, “Cala, meu amor”, “Fotografia”, “Dindi”, “Eu preciso de você”, “Eu sei que vou te amar”, “Esquecendo você”, “Demais”, “Se é tarde me perdoa”,  “Só em teus braços” e muitas mais. Uma gloriosa carreira que, infelizmente, terminou de forma trágica e prematura, a 19 de dezembro de 1966, quando Sylvinha, então com apenas 32 anos de idade, faleceu em um desastre automobilístico na Rodovia Amaral Peixoto, em Maricá, litoral fluminense. Ela estava em companhia de seu então namorado Horacinho de Carvalho, filho da socialite Lily de Carvalho, também falecido no acidente (ele dormiu no volante), e ambos se dirigiam à fazenda dele, em Maricá. Sylvia Telles já teve alguns de seus álbuns postados aqui no TM, dada sua importância para a história da MPB. Agora, oferecemos a nossos amigos cultos, ocultos e associados, mais um primoroso trabalho desta inesquecível cantora. É “Bossa, balanço, balada”, editado em 1963, e por sinal o primeiro LP que fez para a recém-fundada Elenco, gravadora que pertencia a seu segundo marido, Aloysio de Oliveira, ex-integrante do Bando da Lua, e que antes passara pela Odeon e pela Philips como diretor artístico. Gravado nos estúdios Riosom, com caprichada e cuidadosa produção de Aloysio, tem um repertório, como não poderia deixar de ser, estupendo, com arranjos a cargo dos supercompetentes  Lindolfo Gaya e Moacyr Santos, e músicas assinadas por verdadeiros “cobras”, como, por exemplo, Vinícius de Moraes, em parcerias com Tom Jobim (“Amor em paz”, “Insensatez”) e Carlos Lyra (“Você e eu”). A dupla Roberto Menescal-Ronaldo Bôscoli assina mais três clássicos bossanovistas, “Rio”, “Só quis você” e “Vagamente”, Johnny Alf entrou com “Ilusão à toa”, Tom Jobim assina sozinho o não menos antológico “Samba do avião”, e a dupla Pery Ribeiro-Geraldo Cunha vem com “Bossa na praia”. O programa se completa com “Rua deserta”, de Dorival Caymmi e Carlinhos Guinle, “Sol da meia-noite” (versão de Aloysio de Oliveira para “Midnight sun”, standard do repertório popular norte-americano) e “Dorme”, da parceria Candinho-Ronaldo Bôscoli.  Com estes três bês, a bossa, o balanço e a balada, Sylvia Telles mostra por que foi uma das mais expressivas intérpretes da moderna MPB de então, sendo este disco, portanto, mais um presente do TM  a todos que apreciam a arte de cantar no que ela tem de melhor e mais expressivo.

rio
amor e paz
você e eu
ilusão a toa
só quis você
rua deserta
sol da meia noite
samba do avião
insensatez
bossa na praia
vagamente
dorme

*Texto de Samuel Machado Filho