Vários – 50 Anos De Sertão (1979)

A chamada música sertaneja ou caipira surgiu pela primeira vez em disco no ano de 1929. A iniciativa partiu do jornalista, escritor, empresário e ativista cultural  Cornélio Pires (Tietê, SP, 13/7/1884-São Paulo, 17/2/1958), importante etnógrafo da cultura e do dialeto caipiras, tio de Ariowaldo Pires, famoso no rádio como o Capitão Furtado. Cornélio foi até a gravadora Columbia objetivando gravar músicas, “causos” e outras manifestações culturais caipiras, sobretudo do interior de São Paulo, Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais. Evidentemente, os executivos da empresa não acreditaram no potencial de vendas do gênero, e Cornélio Píres decidiu ele próprio bancar a produção e até mesmo a venda dos discos. Assim nasceu a Série Caipira Cornélio Pires, com numeração iniciada em 20.000 e um selo vermelho também especial. Os cinco primeiros discos da série logo se tornaram sucesso, o que motivou a Columbia (futura Continental)  a prosseguir a série, sob sua total responsabilidade.  Foi o início de uma longa e vitoriosa trajetória, na qual surgiram importantes nomes do hoje chamado “sertanejo de raiz”, tais como Tonico e Tinoco, Alvarenga e Ranchinho, Raul Torres, Serrinha, Florêncio, Palmeira, Piraci etc. Após a Segunda Guerra Mundial, a música sertaneja incorporou novos estilos e temáticas, recebendo influência sobretudo da guarânia paraguaia e da canção rancheira mexicana. Nessa época, surgem nomes como Cascatinha e Inhana, Pedro Bento e Zé da Estrada, Irmãs Galvão, Duo Irmãs Celeste, Biá, Leôncio e Leonel, além de outros que mantiveram a tradição caipira, como Inezita Barroso, Tião Carreiro e Pardinho, Zé Carreiro e Carreirinho.  Tião Carreiro inovou o gênero sertanejo, fundindo-o com samba, coco e calango. A partir da década de 1960, introduziram-se elementos da chamada “música jovem”, como a guitarra elétrica, marcando o início do que seria denominado “sertanejo moderno”. É quando surgem nomes como Léo Canhoto e Robertinho, Milionário e José Rico, Trio Parada Dura, Lourenço e Lourival, Carlos Cézar e Cristiano, Duduca e Dalvan, João Mineiro e Marciano, Matogrosso e Matias. Cantores que se consagraram na Jovem Guarda, como Sérgio Reis e Nalva Aguiar, abrigaram-se entre os sertanejos, com inúmeros êxitos. Até a década de 1980, os principais meios de divulgação da música sertaneja eram o circo, alguns rodeios, e as emissoras de rádio AM, além de um ou outro programa de televisão, geralmente apresentados nas manhãs de domingo. Depois, o gênero passou a entrar também em rádios FM, até então avessas a sertanejos, registrando influência crescente do country norte-americano, tanto na música quanto no vestuário, registrando-se interesse maior pelas chamadas “festas de peão”, sobretudo a de Barretos (SP), que ganhou prestígio internacional. É quando se consagram nomes do porte de Chitãozinho e Xororó, Chrystian e Ralf, Leandro e Leonardo, Zezé di Camargo e Luciano, João Paulo e Daniel, Rick e Renner. Até chegar ao chamado “sertanejo universitário”, hoje em evidência, para alegria de uns e tristeza de outros.

Quando a música sertaneja completou 50 anos de seu surgimento em disco, em 1979, as gravadoras lançaram compilações especiais para comemorar a data. Uma delas foi a Cartaz, de São Paulo, que pôs nas lojas o álbum que hoje o Toque Musical oferece a seus amigos cultos, ocultos e associados.  Foram reunidas, para tanto, quatro duplas queridas do público, sobretudo do interior :  Silveira e Barrinha, Caçula e Marinheiro, Pedro Bento e Zé da Estrada, e Zilo e Zalo, todas, curiosamente, surgidas no início da fase dita “moderna” do gênero sertanejo, e cada uma comparecendo com três faixas. Silveira e Barrinha (“a dupla dos 22 Estados”)  abrem o disco nos oferecendo os hits “Berrante de ouro” (1961), “Coração apaixonado” (1962) e “Mineiro de Uberaba” (idem), todas composições próprias, as duas primeiras só de Barrinha e a terceira de Silveira em parceria com o radialista Sebastião Victor. Em seguida, vêm Caçula e Marinheiro, oferecendo uma versão para o famoso “Tema de Lara”, do filme “Doutor Jivago” (MGM, 1965), assinada por Luiz de Castro. Ele também assina as outras duas faixas que esta dupla aqui interpreta, “Cantinho do coração” (parceria de Benedito Seviero) e uma versão pouco divulgada do clássico paraguaio “Galopeira”, de Maurício Cardoso Ocampo, diferente da que ficou conhecida, que é de Pedro Bento e teve inúmeras gravações, a mais conhecida a do então cantor-mirim Donizetti, que fez dela seu eterno carro-chefe.
 Por sua vez, Pedro Bento e Zé da Estrada (“os amantes da rancheira”) batem ponto com músicas também de composição própria e com parceiros, a saber: “Ladrão de beijos” (Pedro Bento-Nélson Gomes, originalmente de 1961), “Morrendo aos poucos” (de Zé da Estrada com o acordeonista Celinho, também sucesso em 1961) e “O dia mais lindo da vida” (de Zé da Estrada e Nélson Gomes, originalmente de 1964).  Completando o programa, os irmãos Zilo e Zalo (“as vozes encantadoras do sertão”), cujos nomes verdadeiros eram, respectivamente, Aníbio e Belizário Pereira de Souza,  nos oferecem outros três hits inesquecíveis. O cateretê “O silêncio do seresteiro”, por eles gravado originalmente em 1960, tem a co-autoria do já citado  Benedito Seviero, paulista de Trabiju (então distrito de Boa Esperança do Sul, sendo por isso aí registrado) e responsável por inúmeros outros sucessos sertanejos, sobretudo a guarânia “Boate azul”. O tango “Arrependimento”, originalmente de 1965, é de Léo Canhoto, da dupla com Robertinho. Por último, “Amarga lembrança”, um valseado tradicional de autoria da própria dupla, sucesso em 1972. Enfim, é uma interessante e curiosa compilação que reflete as inúmeras influências absorvidas pela música sertaneja, e certamente será um prato cheio para aqueles que cultuam e apreciam o gênero. Ô trem bão
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Silveira e Barrinha
berrante de ouro
coração apaixonado
mineiro de uberaba
Caçula e Marinheiro
tema de lara
cantinho do coração
galopeira
Pedro Bento e Zé da Estrada
ladrão de beijos
morrendo aos poucos
o dia mais lindo da vida
Zilo e Zalo
o silêncio do seresteiro
arrependimento
amarga lembrança
*Texto de SAMUEL MACHADO FILHO

Sertanejos – Seleção 78 RPM Do Toque Musical Vol. 122 (2014)

Já em sua edição de número 122, o Grand Record Brazil volta a oferecer significativa parcela do rico acervo da chamada música sertaneja de raiz aos amigos cultos, ocultos e associados do TM. Uma seleção de quinze preciosíssimas gravações, que por certo farão a alegria dos apreciadores do gênero,  especialmente aqueles que estão decepcionados com o dito “sertanejo universitário”, que tanto tem infestado a mídia nos dias correntes.

Abrindo esta seleção, um representante da música regional nordestina, Zé do Norte (Alfredo Ricardo do Nascimento, Cajazeiras, PB, 18/12/1908-idem, 2/10/1979). Ele nos apresenta aqui uma bela toada que fez em parceria com José Martins, “Lua bonita”, por ele mesmo interpretada no filme “O cangaceiro”, da Vera Cruz, êxito internacional que, no entanto, não impediu a falência do estúdio, pois tal repercussão beneficiou apenas sua distribuidora, a multinacional Columbia Pictures. Gravação RCA Victor de 29 de janeiro de 1953, lançada em abril do mesmo ano, disco 80-1100-B, matriz SB-093595. Conhecido como “a maravilha negra das Américas”, Edson Lopes (c.1930-?) aqui nos oferece o jongo “Cafuné”, assinado pelo campineiro Dênis Brean (Oswaldo Duarte Ribeiro) em parceria com Gilberto Martins. Originalmente lançado por Aracy de Almeida, em 1955, é revivido aqui por Edson em gravação Odeon de primeiro de fevereiro de 1957, lançada em maio do mesmo ano, disco 14202-A, matriz 11543. Da escassa discografia da dupla Coqueiro e Belinha (apenas cinco discos 78 com dez músicas), foi escalada a guarânia “Lei de um mandamento”, de Coqueiro sem parceria.  Foi gravada na Odeon em 13 de junho de 1960, e lançada emjulho do memso ano, disco 14639-A, matriz 50567, sendo que a “marca do templo” o reeditou mais tarde com o selo Orion, sob número R-072. Em seguida apresentamos as faixas do único 78 da dupla Ibirama e Maruí, o RCA Camden CAM-1092, gravado em 17 de outubro de 1961 e lançado em janeiro de 62,com músicas assinadas por Pavãozinho. No lado A, matriz M3CAB-1508, o xote “Linda gaúcha”, em que Pavãozinho tem a parceria de Sereno. No lado B, matriz M3CAB-1509, a canção rancheira “Deixe eu sofrer”, de Pavãozinho sem parceiro.  O “trio orgulho do Brasil”, Luizinho, Limeira e Zezinha, aqui bate ponto com o conhecidíssimo baião “Casamento é uma gaiola”, de autoria do Compadre Generoso (muita gente se lembra dessa música na voz do Sérgio Reis, e aqui vai o registro original) , por eles gravado na Odeon em 2 de abril de 1959 e lançado em junho do mesmo ano sob número 14463-B, matriz 50108, sendo depois relançado com o selo Orion sob número R-058, além de figurar em LP sem título.  A dupla Mariano e Cobrinha, ambos de Piracicaba, SP, apresentam aqui a toada “Mágoas de carreiro”, de autoria do comediante e ventríloquo Batista Júnior, pai das cantoras Linda e Dircinha Batista. Lançada em 1929 pelo próprio autor, é aqui apresentada em gravação feita por Mariano e Cobrinha na Continental em 6 de abril de 1948 e lançada em maio-junhoi do mesmo ano, disco 15902-B, matriz 10839. O próprio Batista Júnior, aliás, agradeceu pessoalmente a dupla por esta regravação. Do único 78 da dupla Oswaldinho e Vieirinha, o RCA Victor 80-1818, gravado em 25 de março de 1957 e lançado em julho do mesmo ano, aqui está o lado B, a toada “Canção do tropeiro”, de exclusiva autoria de Vieirinha, matriz 13-H2PB-0078. Temos em seguida, as faixas do único disco da dupla feminina Chiquita e Chinita,o Columbia CB-10280, lançado em outubro de 1956, ambas de autoria de Francisco Lacerda com parceiros, um em cada música. No lado B, o valseado ‘Cavalinho pampa”, matriz CBO-821, o parceiro de Lacerda é Ricardo Jardim, e no lado A, o tango “Parabéns, meu amor”, matriz CBO-820, o co-autor é José Maffei.  Outra dupla feminina de discografia escassa (seis discos 78 com doze músicas, todos pela Columbia), as Irmãs Cavalcanti (Noemi, que foi vocalista do Trio de Ouro em sua segunda fase,  e Odemi) aqui comparecem com as faixas do disco de estreia, número CB-10029. No lado A, delas próprias, matriz CBO-170, o baião “Lumiô, lumiô”, e no lado B, matriz CBO-171, a guarânia “Ponta Porã”, de Pereirinha e Jamir da Silva Araújo. As Irmãs Maria (Thereza Gadotti e Maria Aparecida Oliveira), também de curta carreira discográfica, aqui apresentam o huapango “Por te querer”, de Piaozinho e Maria Aparecida Oliveira, lançadopela Continental, selo Caboclo, em julho de 1961, disco CS-457-A.  Silveira e Barrinha, “a dupla dos 22 Estados”, nos oferece a clássica moda campeira “Coração da pátria”, de Silveira, Lourival dos Santos e Sebastião Victor, gravação RCA Camden de 25 de maio de 1962, disco CAM-1133-A, matriz N3CAB-1712. E, encerrando esta seleção, Zé Carreiro e Carreirinho, “os maiores violeiros do Brasil”, apresentam o cururu clássico “Saudades de Araraquara”, de exclusiva autoria de Zé Carreiro, gravado na Continental em 9 de maio de 1952 e lançado entre esse mês e junho do mesmo ano, disco 16580-A, matriz 11381. Enfim, a mais autêntica música do sertão brasileiro, para fazer a gente recordar, como diz meu colega de YouTube Adalésio Vieira, “um tempo em que realmente havia música sertaneja”…  Deliciem-se!

*Texto de Samuel Machado Filho